quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

ENSAIO DE ESCOLA DE SAMBA: JÁ BATEU SEU CARTÃO?

Não é a toa que sambistas como Paulinho da Viola, Nei Lopes e outros do mesmo naype se afastaram de suas escolas de samba. Institucionalizou e burocratizou demais. Escola de samba era espaço de lazer, congraçamento, e segundo Candeia, resistência. Mas esse aspecto político não era ditatorial, era conseqüência de suas próprias vivências e convivências. A escola de samba era (e ainda é de certa forma) lugar da alegria, de afetos, de parentescos, de família extensiva, de amizades, em fim, da vida publica do sambista. Mas... -, não vou me estender em explicações sobre isso, a escola de samba mudou, empresariou, espetacularizou, profissionalizou. O samba sambou com as Super Escolas de Samba S.A. como bem contou a São Clemente e o glorioso Império Serrano. Ano retrasado escrevi um post em que ironizava a organização da ala em que eu mesma fazia parte, tamanho o rigor e o desejo obcecado da coordenação em uniformizar o grupo (http://silviajus.blogspot.com.br/2013/02/a-mordaca-no-carnaval.html). Da roupa a maquiagem, passando pela voz e pelos movimentos, tudo deveria ser igual. Entendo que isso é resultado da busca da eficiência a todo custo, somada à máxima radical do: “ou pega ou larga”. Alguém acima do coordenador determina a diretriz não deixando espaço para nenhum tipo de análise crítica ou opinião. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Sambista ia ao ensaio por prazer, não por imposição. Eu arrumava confusão com meu pai, depois com marido, tudo pra estar na Portela toda quarta-feira e na Mangueira todo sábado. Se as coisas mudaram pra escola de samba, mudaram pras pessoas também: as pessoas têm muitos compromissos, trabalham longe de casa, o transporte piorou, se gasta em engarrafamentos o equivalente a uma jornada de trabalho, o que diminuiu muito nosso tempo disponível para as outras atividades igualmente importantes. Em que mundo vivem os coordenadores??? E serão mesmo necessários tantos ensaios??? Não sei. Essa semana Mestre Ciça numa entrevista, disse que prefere não esgotar seus ritmistas com tantos ensaios, especialmente os mais antigos. Tenho lá minhas dúvidas se o que se busca com tantos ensaios é a perfeição e se essa perfeição se coaduna com o espírito da escola de samba. A pressão, a imposição, as freqüentes ameaças aos componentes de serem expulsos da ala transforma a escola de samba num lugar de opressão e domínio, típicos do ambiente de trabalho. O componente se inscreve pleiteando a vaga, assina o contrato, paga sua contribuição sindical, chega no samba/ empresa, procura o coordenador/encarregado, dá a presença/bate cartão, se junta aos outros componentes/companheiros de jornada e vai ensaiar/trabalhar. O salário/fantasia é pago/dado pela escola para o dia do desfile. E essa idéia é propagada a disseminada entre todos, levando um componente a patrulhar a vida do outro, cobrando o cumprimento das obrigações assumidas com a escola de samba, sem perceber que com isso se torna um “careta X 9”, algo antes repudiado no mundo do samba e que deve fazer a malandragem do passado se revirar no túmulo! Assim como as cobranças divulgadas não visam atingir todos os componentes, apenas alguns; meu texto também não objetiva todas as coordenações, apenas algumas...rsrsrs Eu, por enquanto, sigo no rolo, mas consciente de que o samba é antes de tudo, LIBERDADE, ALEGRIA E PRAZER.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

DIVANDO NA PORTELA

Se Madureira é a capital do samba, a Portela é reduto de bambas. Além das lindas passistas coordenadas por Nilce Fran, a Portela mostra seu potencial de samba no pé com a ALA DAS DIVAS, constituída por 70 mulheres portelenses e muito glamorosas. O nome não é oficial, mas foi legitimado pelas componentes e pela coordenação da ala a cargo de Cris Esteves, chamada também de “Diva Mor”. A ala é exclusivamente feminina, e as principais características são a alegria, animação, samba no pé e claro, muito glamour. A ala surgiu a partir da extinção de uma outra – a NÓS PODEMOS – formada por deficientes fisicos e intelectuais, que eram conduzidos em cadeiras de rodas pelas atuais Divas. A diretoria decidiu a partir de 2014 adotar postura mais inclusiva, distribuindo esses componentes pelas diferentes alas da escola, que passaram a ser conduzidos pelos próprios familiares ou por si mesmo. A escola então reuniu as antigas condutoras numa nova ala que atrai a atenção de todos pela simpatia e samba no pé que exibem nos ensaios técnicos e no desfile. Com a reorganização da ala, algumas componentes saíram e outras chegaram, mas o espírito do grupo é o mesmo: tem que ser DIVA! São comumente confundidas com as passistas, o que é motivo de orgulho.
A criação de alas como a das DIVAS é extremamente benéfico para a manutenção do samba no pé da escola, que existe além da ala de passistas. Recentemente o Iphan verificou a carência de expressões genuínas do samba nos desfiles das escolas de samba. Num encontro no Centro Cultural Cartola realizado em outubro deste ano, a pesquisadora Nilcemar Nogueira apontou o excesso de alas coreografadas nos desfiles atuais como algo que pode levar a extinção, ao longo do tempo, do samba no pé nos desfiles das escolas de samba. A Mangueira, outra escola de grande tradição no samba, criou a ala SENTE O SAMBA, uma ala que, a despeito de não ser ala de passistas, exige de seus componentes o domínio da dança do samba e reuniu feras do ofício. Talvez a Ala das Divas seja uma das alas mais procuradas na Portela. Quem ta fora quer entrar, mas quem ta dentro não quer sair. A presença aos ensaios é bastante cobrada, mas a dedicação é recompensada com prestígio e fantasias dignas de DIVAS. Parabéns Portela, Parabéns Cris Esteves e Parabéns às Divas, lembrando que eu também sou uma delas!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

A TRADIÇÃO DO “SAMBA NO PÉ” DA VERDE E ROSA FAZ NASCER A “SENTE O SAMBA”

O GRESEP de Mangueira tem uma peculiaridade: é uma escola que reivindica o título de ser a escola mais “tradicional” do carnaval carioca. Essa “tradição” é constituída reverenciando dois aspectos principais: a de ter protagonizado o início das escolas de samba, como pode ser verificado no próprio sítio eletrônico da agremiação (www.mangueira.com.br); e a de preservar em seu desfile a participação da “comunidade” mangueirense. Um dos elementos reclamados em Mangueira para compor a “tradição” por meio da comunidade mangueirense é o samba no pé, a habilidade corporal que só quem é do mundo samba sabe fazer (TOJI, 2006). A Mangueira é um manancial de sambistas que dominam o samba no pé, o que torna, por vezes, a ala de passistas insuficiente para acolher tantos talentos, por isso surgiu o projeto da ala SENTE O SAMBA cuja proposta é agrupar componentes que, a despeito de não estarem na ala de passistas, dominam a arte do samba no pé. No carnaval de 2014 a ala de passistas fragmentou-se dando origem à ala PRÁ SEMPRE PASSISTA, que desfilou com 20 casais. Não foi a primeira vez que isso aconteceu em Mangueira. No desfile do carnaval de 2000, adequando-se ao enredo “Dom Obá II, o Rei dos Esfarrapados, Príncipe do Povo” a Mangueira apresentou dois figurinos para ala de passistas: “O Luxo” e “O Lixo”. Motivo de orgulho para o mangueirense é o fato de que “a Mangueira não tem dono nem patrono” (TOJI, 2006). A mangueira pertence aos mangueirenses. O pertencimento fortalece, e o “saber” carnavalesco gera um grupo de expers em Mangueira que adquirem indispensabilidade face às principais realizações e características da agremiação (GOLDWASSER, 1975). É incontestável a qualidade e importância dos sambistas reunidos no novo grupo: Indio da Mangueira, Celynho Show, Fábio Fuly, Angele Miranda, Georgia Gomes, apenas para citar alguns. A ala atualmente tem aproximadamente 60 componentes desejosos de mostrarem na avenida a força do samba no pé de mangueira, o samba riscado, o samba rasgado, numa ala mais adulta e integrada às alas da comunidade, que agora passa a se chamar ala "SENTE O SAMBA". A ala “Sente o Samba” tem como objetivos: a) incrementar e reforçar o samba no pé, tradicional nos desfile da Mangueira; b) evitar a dispersão de componentes talentosos, antigos e importantes para a escola; c) colaborar com a Escola nos diferentes eventos, especialmente nos ensaios e feijoadas, animando e interagindo com o público, como já o fazem muitos de seus componentes. Proposta organizacional: Nome: Ala “SENTE O SAMBA” Coordenadora: Angele Miranda Número de Componentes: 30 homens e 30 mulheres

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A ANCESTRALIDADE DOS ORIXÁS NA DANÇA DO SAMBA

“Samba e macumba é a mesma coisa. O tambor que louva o santo, louva o samba”. Essa frase é de Carlos Cachaça, compositor mangueirense, dita numa entrevista à pesquisadora Marília Barbosa. As relações entre as culturas indígena, européia e africana, resultaram numa imensa variedade de ritmos e danças espalhados pelas diferentes regiões do Brasil, mas aqui vamos comentar um pouco sobre esta última – a africana - através das similaridades entre a dança dos orixás e a dança do samba executada por passistas do GRES Estação Primeira de Mangueira.

A dança do samba nos desfiles carnavalescos é executada pelos passistas que juntos formam uma ala com a função de representar e demonstrar um pouco da identidade daquela escola de samba através do samba no pé. A forma como as escolas de samba existem e se organizam muito se assemelha aos terreiros de candomblé, como foi verificado e descrito pela Professora Helena Theodoro, em seu livro “Escola de samba: um terreiro na avenida”.

Em novembro deste ano, durante o I Encontro de Departamentos Culturais, realizado no GRES Portela, a autora destacou com muita propriedade que “os passistas são, na escola de samba, os que levam a dança dos orixás a termo” demonstrando através da dança as principais características deles.

Considero que há pelo menos dois aspectos a serem considerados quando se pretende analisar a relação entre as danças dos orixás e a dança do samba: o primeiro deles é que cada orixá possui sua dança com movimentos característicos próprios que podem ser aprendidos e reproduzidos por qualquer um nos terreiros de candomblé ou nas academias de dança; o segundo é que, de acordo com as religiões de origem africana que cultuam os orixás, cada pessoa traz em si mesmo características do orixá a que pertence - o arquétipo -, e que serão manifestas em sua vida em diferentes momentos, especialmente na dança e particularmente no samba. É importante salientar a diferença entre esses dois aspectos porque, como afirma Muniz Sodré , “a resposta dançada de um indivíduo a um estímulo musical não se esgota numa relação técnica ou estética”, podendo ir muito além, como numa dramatização religiosa, já que é bem comum às culturas africanas a vinculação das formas expressivas com o sistema religioso.

Mangueira é uma escola de samba conhecida, tradicionalmente, pelo samba no pé sustentado principalmente por 3 alas: a ala de PASSISTAS com 40 casais, a ala “SENTE O SAMBA”, com 30 e a ALA DAS MUSAS, com 09 mulheres que já foram passistas, rainhas e princesas de bateria. Dentre estes, observei durante a temporada de ensaios para o carnaval 2015, quatro passistas com performances corporais e coreográficas absolutamente diferenciadas entre si: Georgia Gomes, Claudio Santos e Rafaela Bastos.

Georgia Gomes é uma mulata de 37 anos, mãe de um adolescente de 15 e trabalha como organizadora de eventos que envolvem samba e culinária. Samba desde criança. Na quadra da Mangueira, integrada a ala SENTE O SAMBA, executa uma dança que chama a atenção pela intensa energia e força dos movimentos. O samba no pé é “floreado” por movimentos corporais fortes e intensos, rápidos com a cabeça que elevam os cabelos ao alto repetidas vezes. Os braços estão sempre em movimentos no ar. E o sorriso? O sorriso brincalhão e debochado atrai o público para uma interação na dança. Os outros passistas ela convida ao duelo simulado na roda e o que se vê é a teatralização da origem lúdica do samba. O figurino deixa escapar seios e coxas. Georgia é um furacão. Georgia é filha de Iansã.

Iansã é considerada a rainha das tempestades, dos ventos e dos raios. Além da rapidez, das fugas e contrafugas, a dança de Iansã se destaca pelo movimento dos braços. A partir dos quais se desenvolve o "iruechim", uma ondulação flutuante de mãos com os braços erguidos, comumente chamada de “quebra-pratos”, simbolicamente relacionado à evocação de eguns (espírito dos mortos) . O Aguerê é o nome dado a coreografia de Iansã.

Luiz Claudio Santos tem 40 anos, é negro, alto, e desfila como passista há aproximadamente 20 anos. É um enfermeiro dedicado de temperamento quieto, discreto e teimoso. Tem personalidade forte e perseverante. É de poucos amigos, mas com esses poucos a amizade é duradoura. Do alto de seus 1.90 cm, o corpo tem uma pequena inclinação na região dorsal, fazendo com que pouco se veja seu rosto durante a execução de seu samba. A cabeça fica mais voltada para baixo, pernas alinhadas e os pés saem pouco do chão, mantendo uma cadência linear e com poucos floreios. Luiz Claudio é terra, Luiz Claudio é de Omulu.

Omulu é o Rei e Senhor da Terra. Tem em seu domínio as doenças e a cura de todas elas. Este orixá tem o corpo coberto de chagas e por isso apresenta-se coberto com palha da costa, especialmente o rosto que não deve ser visto. O opanijé é a coreografia de Omulu.

Rafaela Bastos tem 30 anos, é geógrafa e musa da Mangueira. É uma mulher com jeito de menina. A fala mansa e delicada não esconde a determinação que possui em seus diversos empreendimentos ligados ao meio ambiente e ao carnaval. Seu samba é altivo e malemolente, sedutor e cadenciado, expressos em requebros, movimentos de quadril e braços, elegantemente contidos. Rafaela no desfile de 2014 representou lindamente, o orixá Yemanjá.

Yemanjá é a Rainha das águas do mundo, a mãe de todos os filhos. Sua dança lembra o movimento das ondas do mar, fala da fluidez, de distribuição de cuidados e bens aos seus filhos, de germinação constantemente renovada. Quando se manifesta parece gemer ou chorar, executando giros grandes como as ondas e o vaivém do mar. Simula mergulhos, colocar as mãos na testa e na nuca alternadamente, evidenciando desta forma que ela é a Iyá Ori, a mãe da cabeça.

Sua dança é suave e sem movimentos ampliados ou de velocidade, o gestual das mãos lembra estar acariciando a água, e empurrando-a para trás do seu corpo, elemento do qual faz parte. Seu deslocamento é suave, ligeiramente contido, como se flutuasse ou caminhasse dentro da água, a dinâmica dos movimentos fica mais centrada ao eixo vertical do corpo, tudo acontece ao seu redor, no toque do hamunha. Rafaela Bastos é das águas, Rafaela Bastos será para sempre a Yemanjá da verde e rosa.

*Grupo Acauã (dança dos orixás: grupoacauan.blogspot.com.br

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

PROCESSO SELETIVO PARA O PREENCHIMENTO DE VAGAS PARA PASSISTAS DO GRES ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA. É sério isso?

          
          "Domingo passado, dia 24 de agosto de 2014, às 10h da manhã aconteceu a primeira fase do concurso para preenchimento das vagas de passistas para o GRESEP de Mangueira. O concurso foi pouco divulgado, e há candidatos descontentes: “Poxa, a gente se prepara tanto, estuda, ensaia e fica sabendo em cima da hora que vai ter o concurso. Cadê o princípio da publicidade?”. Apesar de na própria instituição haver passistas com grande experiência, renomados e premiados, como Indio da Mangueira, Celynho Show, Juliana Clara, Fabiana, Fábio Fuly, Jofre Santos, entre outros, nenhuma “prata da casa” foi convocada a fazer parte da banca examinadora. O local da prova foi o Clube de Sargentos e Sub Oficiais do Exército, revelando o caráter “inovador” do concurso. A lista dos aprovados ainda não foi divulgada, contrariando o prazo divulgado no Edital. Não se sabe se haverá prazo para recursos. A polícia civil está investigando denúncia de que passistas que já ocupavam o cargo foram obrigados a submeterem-se ao novo certame, medida considerada inconstitucional". 

          O parágrafo acima é uma paródia. Seria engraçado se não fosse tão perto da realidade. Há muito que estamos batendo na tecla de que “lugar de passista é na escola de samba”. Essa reafirmação surgiu como advertência ao segmento, que por anseios profissionais, acabam se afastando do lugar mais existencial do passista: a escola de samba. O passista se revela e se realiza na quadra de ensaios e no dia do desfile. O passista exsurge plenamente diante dos seus pares, os outros passistas; diante dos outros segmentos da escola, das baianas, dos diretores de harmonia; da sua nação; dentro do seu chão, do lugar de referência da sua estória enquanto sambista, no “território samba”, conceito cunhado por Helio R. Rainho. 
           Há muitas representações e subjetividades que interagem e influenciam a atuação do passista, e todas elas estão ligadas à sua escola de samba. Pode ser as cores estampadas na quadra, o símbolo da escola emoldurado simbolicamente em algum lugar, ou o momento em que se canta o hino, um samba exaltação ou até mesmo um samba-enredo marcante. A memória afetiva dos acontecimentos vivenciados naquele espaço envolve o passista em emoções trazendo respostas corporais irrepetíveis. SER SAMBISTA É MUTO MAIS QUE SABER DANÇAR SAMBA! Há inúmeras pessoas que dançam muito bem o samba, mas que nada têm a ver com o “mundo do samba”. 

           Quintero Rivera, estudioso dos ritmos africanos nas Américas chama a atenção para a importância da união da música com a dança para a resposta corporal harmônica:
"Os movimentos da dança nos corpos de homens e mulheres deve ser um perfeito diálogo entre os agentes musicais e os corpos dançantes, especialmente os da América, impregnados de influências africanas. Considera-se quatro aspectos essenciais na dança: a música, as ideias, a mente e o corpo. A missão da música de origem negra é combater e interromper dicotomias, integrando segmentos culturais distintos" 

          Muniz Sodré compartilha da mesma opinião:
"O ritmo musical implica uma forma de inteligibilidade do mundo, capaz de levar o indivíduo a sentir, constituindo o tempo, como se constitui a consciência [...] As músicas de origem africanas são fundamentalmente rítmicas [...] O som, cujo tempo se ordena no ritmo, é elemento fundamental nas culturas africanas. Isto se evidencia, por exemplo, no sistema gêge-nagô ou iorubá, em que o som é condutor de axé, ou seja, o poder ou força de realização que possibilita o dinamismo da existência [...] o ritmo induz ao movimento e traz alegria transbordante [...] os meios de comunicação musical não se restringem a elementos sonoros, abrangendo também o vínculo entre a música e outras formas artísticas, sobretudo a dança [...] A resposta dançada de um indivíduo a um estímulo musical não se esgota numa relação técnica ou estética, uma vez que pode ser também um meio de comunicação com o grupo, uma afirmação de identidade social"
          Acredito que escolher passistas fora da escola de samba em nada contribui para reafirmação dos vínculos identitários entre o passista e a agremiação. O fato de a ala ter sido premiada com o Estandarte de Ouro em 2014, não deve servir como fator autorizador para toda e qualquer atitude que macule tradições preservadas pela escola. Fiquei muito triste ao saber que Mangueira está tomando caminhos estranhos. E não quero aqui me indispor pessoalmente com os amigos que aprovam a idéia, mas não entendo que passistas sejam bailarinos; passistas são antes de tudo, SAMBISTAS. 
         Tô nem aí pra Mikail Baryshnikov na Portela ou “audição” de passistas a la Teatro Bolshoi. 
         Que possamos ao final, constatar e declarar “a vitória dos vencidos” , mas por enquanto, é melhor ficar ligado. 

Mangueira é nação, é comunidade!

Silvia Borges.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

MORRE O PASSISTA VITAMINA DO SALGUEIRO



O mais antigo passista participante de desfiles até o carnaval de 2014, vitamina faleceu ontem e deixou para todos nós, uma honrosa trajetória no mundo do samba.
Passo a transcrever, parte do texto de José Carlos Rego 1 sobre o lendário passista:

Joel de Paula Soares, o vitamina, magérrimo, com 1 e meio de altura, agiganta-se sob o ritmo do samba  e as luzes das quadras de ensaios. Além da caída em letra, notabilizou-se pela exímina execução de dois outros passos do samba: a letra e a cruzeta. [...] Joel começou a sobressair-se ainda na extinta escola de samba Floresta do Andaraí, que tinha as cores verde e branca. Outras das escolas pelas quais desfilou foram a Vila Isabel e a Indios do Acaú, esta criada pelo poeta Babaú. [...] Mas foi na Acadêmicos do Salgueiro, a partir de 1956 que o passista, propriamente, começou a ganhar nome.

O apelido Vitamina deu-lhe um antigo boêmio da Rua Ferreira Pontes, no Andaraí, chamado Walter. Ao vê-lo raquítico, jogando bola entre os grandões, fuçador e brigão pela lateral esquerda o tal Walter penalizava-se.
Após os choque com os zagueirões - na maioria das vezes sangrando e caído no chão - o seu Walter me advertia que, para fazer o que eu pretendia fazer, e ainda brigar com os maiores, precisaria tomar muita vitamina, gritava ele, muita Vitamina! Daí para o apelido pegar foi um pulo. Depois disso, à exceção de um ou dois chefes de serviço que me chamam de Joel, e dos meus filhos que me chamam de pai, ninguem me convoca de outra forma. É vitamina mesmo e está acabado.

1- Rego, José Carlos. A dança do samba, exercício do prazer. Aldeia, Rio de Janeiro, 1996, p. 63.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

INSTITUTO DE CULTURA E CIDADANIA PRIMEIRO PASSO: DE MOVIMENTO CULTURAL A MOVIMENTO SOCIAL


3ª SEMINÁRIO INTERDISCPLINAR EM SOCIOLOGIA E DIREITO
PPGSD/UFF – 2013


"A Mobilização Social e suas Implicações na Alteração do Cenário Nacional: (Re) Construção de Paradigmas e Fortalecimento da Cidadania"





INSTITUTO DE CULTURA E CIDADANIA PRIMEIRO PASSO: DE MOVIMENTO CULTURAL A MOVIMENTO SOCIAL





Silvia Valeria Borges Duarte – mestranda do PPGSD/UFF
Hélio Ricardo Rainho – jornalista, ator e pesquisador.






RESUMO

O Instituto de Cultura e Cidadania Primeiro Passo é um projeto social, instalado em Madureira, bairro do subúrbio do Rio de Janeiro, que através da Dança do Samba, objetiva promover a inclusão social, o acesso à cidadania de famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica, ao mesmo tempo em que reforça a cultura do samba, através da formação de passistas, ritmistas e cantores. Pretende minimizar as situações hostis que afetam os jovens das comunidades locais ao mesmo tempo em que estimula o debate acerca de suas identidades sociais, problematizando temas do cotidiano por meio das diferentes atividades que desenvolvem envolvendo a música, a dança e o teatro. A atividade principal do projeto é o ensino da dança do samba e da transmissão de informações sobre a história do samba e suas representações para a cultura brasileira. Contudo nos últimos anos ocorreram diversas ramificações do projeto inicial e hoje, além do Primeiro Passo, ligado á dança, há também a Cia do Samba (teatro), O Seminário Arte do Samba (debates promovido anualmente no dia do passista em prol do segmento), O Bloco Carnavalesco Primeiro Passo, o Duo Primeiro Passo (projeto que leva a dança do samba como atividade motivacional nas empresas), O Grupo Musical Jaqueira (grupo composto por passistas músicos), A Apoteose dos Grandes Passistas (exposição e desfile comemorativo que reúne em torno de 1000 passistas oriundos das diversas escolas de samba do Rio de Janeiro), Projeto Quem Samba Recicla (projeto que visa o reaproveitamento de fantasias e alegorias do carnaval) e o livro Passo dos Sonhos (livro destinado ao publico infantil que mostra o samba como agente transformador na vida das comunidades). Este artigo pretende analisar as atuações do projeto dentro do contexto específico do samba na comunidade local, tentando compreender as estruturas nas quais o projeto existe, avaliar a efetiva atuação política, de forma ativa ou passiva, desse grupo em consonância com seus valores. Assim como verificar os resultados obtidos após mais de uma década de atuação sociocultural. Sendo o ensino sistematizado da dança do samba o objetivo primaz do ICCPP e seus idealizadores coordenadores da ala de passistas do Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela, verifica-se uma forte ligação do projeto tanto com a escola de samba como com o bairro de Madureira, Os passistas, na estrutura das escolas de samba, são os componentes que dominam as técnicas da dança do samba, os que “sambam no pé” e ocupam um lugar central nas questões que serão problematizadas neste artigo por formularem identidades positivas de si mesmos ao se apropriarem de um  estilo e de uma postura típica que os torna destaques no universo do samba e da cultura urbana.

Palavras chave: cultura - samba - cidadania


INSTITUTO DE CULTURA E CIDADANIA PRIMEIRO PASSO: DE MOVIMENTO CULTURAL A MOVIMENTO SOCIAL.



Para construir uma verdadeira comunidade, não ignoremos os pequenos gestos. A globalização negativa não considera hábitos e necessidades locais. Abraça poderes como as finanças e o capital. Há um grande número de mulheres e homens corajosos que podem mudar a história. Ajudemo-los a bater as asas.

 Zigmund Bauman


          Como parte integrante dos estudos em desenvolvimento sobre os passistas do Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela, tema de minha dissertação, chamou-me atenção um projeto social denominado Instituto de Cultura e Cidadania Primeiro Passo (ICCPP), cuja principal proposta é dinamizar e valorizar a cultura local do bairro de Madureira - predominantemente ligada ao samba – através de oficinas de dança, canto, percussão e teatro, mantendo algumas tradições do samba ao mesmo tempo em que leva em conta o dinamismo renovador das práticas culturais.
         Neste grupo de trabalho que reuniu estudos sobre os movimentos sociais que eclodiram em várias partes do Brasil nos meses de junho e julho de 2013, cuja principal proposta  é  discutir criticamente as diversas categorias reivindicatórias que emergiram a partir de um protesto inicial que, a princípio, visava apenas derrubar um aumento de vinte centavos nas passagens de ônibus, escolhemos trazer à luz o ICCPP, projeto sócio cultural ligado ao Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela por considerarmos importante o papel  que vem desempenhando junto à comunidade de Madureira e seus arredores, atuando como agente fortalecedor das construções de identidades sociais de forma positiva. 
          O que começou com uma luta pela revogação do aumento das passagens de ônibus se transformou numa revolta nacional que ganhou destaque na agenda pública, ampliando-se para diversas outras pautas que envolveram reivindicações por melhores condições de trabalho, saúde e educação além de medidas mais eficazes contra a corrupção.
          Após um ápice de passeatas semanais reunindo milhões de pessoas em todas as grandes capitais, o movimento permanece em curso no Rio de Janeiro com a greve dos professores, somado a  atuações constantes de grupo anarquista denominado Blak Blocs que atuam politicamente depredando instituições financeiras e prédios públicos. A maior mobilização política no Brasil desde 1992 já entrou prá história, com um providencial despertar depois de anos de apatia.
          Tal como no Egito [1], as redes sociais tiveram papel determinante na organização das manifestações e seu alcance a todas as regiões do país, se contrapondo, inicialmente, aos meios de comunicação institucionalizados, que consideravam os manifestantes “vândalos” e “desordeiros”.  A criação da Mídia Ninja (Narrativas independentes, jornalismo e ação) conhecida pela sua atuação política alternativa à imprensa tradicional, com transmissões em tempo real, usando celulares e um carrinho de supermercado como unidade móvel estrutural foi essencial para mostrar a boa parte da população através das redes sociais, especialmente o facebook, os conflitos, verdades e mentiras sobre o movimento.
           Uma das principais discussões girava em torno do que motivou tamanha revolta e trouxe a população prá ruas. Representantes do Movimento Passe Livre (MPL), organização que deu o “pontapé” inicial no ciclo de passeatas acreditam que o êxito do movimento não surgiu de uma hora prá outra, mas foi fruto de mais de oito anos de luta e trabalho por uma melhor mobilidade urbana e pela tarifa zero nos transportes públicos. Pedro Stédile, do Movimento dos Sem Terra (MST), apostam que o povo chegou no  limite de suportabilidade principalmente pelo que vem acontecendo com os espaços públicos urbanos por conta da especulação imobiliária nas cidades,  na carona dos jogos esportivos internacionais que o Brasil sediará: cercas vivas para encobertar favelas, medidas de retirada compulsória das ruas de viciados em drogas, ações “assistencialistas” de envio de moradores da rua para abrigos, desapropriação de imóveis particulares, processos de gentrification [2], visando higienizar a cidade, criando a sensação de um local limpo e seguro,  aumento da violência policial, entre outras ações de cunho repressivo.  Há até quem ache que o sucesso das manifestações é por conta de “excesso de democracia”. Embora diferentes e até divergentes, provavelmente todos esses motivos se somam e explicam uma explosão democrática tão salutar para o Brasil.
          Traço bem marcante do movimento foi a pregação antipartidária. O discurso antipartido incitou a população a expressar em voz alta toda sua indignação contra a corrupção que assola a política no Brasil. Mais que indignação, o que se percebe na população é decepção. Em 2002 o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) Luiz Inácio Lula da Silva se elegeu com mais de 50 milhões de votos, tornando-se o segundo candidato mais votado no mundo. Após uma reeleição e a vitória de sua sucessora Dilma Roussef, o que restou do PT é uma imagem completamente associada a escândalos de corrupção.
          Giddens ao falar da “democratização da democracia”, afirma que novas formas de democracia que têm se disseminado por todo o mundo, embora a maioria das pessoas declarem não ter interesse em política parlamentar, especialmente entre as gerações mais jovens. A grande revolução das comunicações contribui decisivamente para a formação de cidadãos bem mais coinscientes de valores e possibilidades. Parece paradoxal  mas o que se vê é um aumento da participação política, ao mesmo tempo em que cresce o descrédito pelos agentes políticos partidários. As articulações de grupos com interesses específicos seria na opinião do autor, um aprofundamento da democracia, aumentando a articulação social de diversas formas. Procedimentos democráticos alternativos parecem mais interessantes para melhor atender as demandas cotidianas dos cidadãos e para isso é necessário uma “vigorosa cultura cívica” (GIDDENS, 2003).
          Em meio a revoltas, passeatas e discursos “despolitizados” escolhemos conhecer melhor o Instituto de Cultura e Cidadania Primeiro Passo, um projeto social fundado por passistas do G.R.E.S. Portela, cuja proposta é, pela via da cultura, contribuir na construção de identidades, promoção de justiça social e incentivo às práticas de cidadania através da dança do samba.

Construindo identidades

          O ICCPP surgiu em 2001, idealizado por Valci Pelé e Nilce Fran, coordenadores da ala de Passistas do GRES Portela. O casal, diversas vezes premiado no carnaval carioca, fundaram o Instituto motivados pelo desejo de preservar a memória de antigos passistas e da própria dança do samba. Com o passar do tempo, o próprio projeto foi revelando seu caráter político social.  
          Valci Santos de Lima ou Valci Pelé, 41 anos, está na agremiação desde 1997.  Nascido e criado na zona norte do Rio de Janeiro, aos 15 já sambava; foi introduzido no “mundo do samba”  por Nega Pelé, prestigiosa passista da época, sua inspiradora na arte de sambar juntamente com Claudionor Marcelino dos Santos, outro “bamba” [3] da época. Nilce Francisca da Silva Chaves, 41 anos, nascida e criada em Oswaldo Cruz, oriunda de uma família de sambistas, desde criança já desfilava pela Portela.
           Na organização das escolas de samba vê-se claramente o passado, representado pelas Velhas Guardas com seus idosos fundadores; o presente, com jovens adultos em diversos segmentos,  e  o futuro, representado por crianças que compõe as alas e escolas de samba mirins. Todos atuam ao mesmo tempo numa trama de atividades durante todo o ano que culmina no desfile de carnaval.
         A memória social é algo estimulado nas escolas de samba pelo sua capacidade de perpetuar saberes tradicionais populares.  A memória tem um caráter social, tudo o que nos lembramos do passado faz parte de construções coletivas do presente.  Quando se fala em construção de identidades a partir de ações coletivas de cunho sociocultural, cumpre ressaltar que o alcance das atuações envolve a todos os atores sociais, inclusive os que lideram tais movimentos (DOS SANTOS, 1998), conforme verificamos na fala de Valci Pelé:

Na verdade, os maiores motivadores foram os grandes artistas da dança do samba do passado como: Claudionor Marcelino dos Santos, Tijolo, Nega Pelé, que me motivaram a lutar pela causa.  Quando tive a ideia do Projeto estava num momento muito difícil, espiritualmente falando, estava vivendo uma transição espiritual, cheguei a ter Síndrome de Pânico. Um dia acordei e o projeto já estava pronto na minha cabeça. A data da fundação foi dia 22 de agosto, Dia do Folclore, e eu nem sabia que era esse dia. Foi uma coisa divina! Fui como Noé fazendo a arca em obediência a Deus. Daí em diante tudo mudou na minha vida!

          O ICCPP recebe crianças e adolescentes entre 06 e 18 anos, a maioria moradores de Madureira e bairros circunvizinhos, pertencentes às classes baixa e média baixa. É comum jovens que moram em regiões mais pobres da cidade serem associados a fenômenos de delinquência e toxico-dependência, o que reveste de importância iniciativas desta natureza.
         O ICCPP ou Escolinha de Formação de Sambistas, não possui um espaço garantido nem verba permanente para remuneração dos colaboradores, já que as aulas são gratuitas e não há um patrocínio com que se possa contar. A  equipe é formada por  6 pessoas, entre instrutores, auxiliares, técnicos em informática e secretária.  Já esteve instalada em diversos endereços: no Brasil Novo Tênis Clube, no SESC Madureira e atualmente no Parque Madureira [4].         
          Apesar de já existir há mais de uma década e ser uma referência no ensino da dança do samba no Rio de janeiro, vive constantemente sob a ameaçada de fechamento. O projeto não está diretamente ligado à Portela ou a qualquer outra Escola de Samba, contudo, a maioria dos alunos anseia tornar-se passista da escola “azul e branco” de Madureira, mas tal conquista não os afasta em definitivo do Instituto; alguns continuam frequentando as aulas a fim de se aperfeiçoarem ou apenas para manterem os vínculos com amigos e professores.  Observa-se uma forte ligação ao território, um sentimento orgulhoso de pertença pelos que vivem em Madureira e partilham, em regra, o mesmo modo de vida. Atualmente há aproximadamente 200 jovens, ao todo, envolvidos e beneficiados pelas atividades do Instituto.
          Nas ciências sociais a construção de identidades era fundamentada na noção de classe social, porém nas últimas décadas passou a ser analisada em torno da territorialidade e de convergências culturais. Guimarães propõe uma análise de sustentabilidade a partir de vários enfoques entre eles o cultural, que prioriza a diversidade das culturas; o social que busca melhor qualidade de vida e o político, que promove a construção da cidadania através do fortalecimento das forças sociais.
          Nesse sentido, o ICCPP é um espaço de sociabilidades relacionado ao universo simbólico do samba. A valorização desses símbolos compartilhada pelo grupo promove laços afetivos comunitários que têm o papel de comunicar e unir.
          Segundo nos informou Mara Gonçalves, secretária do Instituto, as principais  razões apontadas pelos responsáveis para buscarem o Instituto são: amor ao samba, desejo de socializar os filhos, ajudá-los a superar a timidez através de atividades artísticas e ocupar o tempo ocioso com atividades construtivas.
          Para os fundadores do Instituto o samba deve ser ensinado como as outras danças (clássicas ou contemporâneas), ou seja, pedagogizada, com método, técnica e didática de ensino. Acompanhei algumas aulas de samba no Instituto e observei que os alunos usam uniformes sem muita rigidez (roupa de malha e sapatilhas), fazem um breve alongamento antes de iniciarem a repetição de cada parte dos passos. Curiosamente, quando fragmentados, nem de longe parecem passos de samba. Os pais assistem de longe, animados e atentos. Nesta fase da aula  a preocupação é com a técnica, nenhum movimento “errado” passa desapercebido, algumas palavras são exaustivamente repetidas, como “postura” e “elegância”, entretanto, a resposta dançada de um indivíduo a um estimulo musical não se esgota numa relação técnica ou estética, uma vez que pode ser também um meio de comunicação com o grupo, uma afirmação de identidade social (SODRÉ, 2007).
         A mãe de uma aluna relatou que matriculou a filha de 09 anos, primeiramente para satisfazer um desejo por ela não realizado de ser passista da Portela. Acredita que a filha possa vir a ser uma “passista show”, viajando com a Portela por vários lugares, inclusive fora do Brasil. Diz que além de aperfeiçoar o samba, a filha melhorou o rendimento  escolar  e a saúde, pois conseguiu emagrecer, porque antes era uma criança bem acima do peso. Disse que hoje a filha se sente “importante”, é o centro das atenções na escola, admirada pelos colegas e professores. Acha que vai frequentar o Instituto enquanto ele existir; pretende cursar a faculdade de Educação Física e ser uma dançarina famosa. Já se pensa em oferecer aos responsáveis pelos alunos aulas de dança de salão enquanto esperam por eles, integrando-os de forma afetiva às atividades do Instituto.      
         Valci ressalta que, diferentemente da maioria dos projetos sociais que envolvem crianças e adolescentes, estar matriculado na escola não é condição para ser incluído, mas um objetivo a ser alcançado. A principal proposta é o ensino sistematizado da dança do samba, mas atualmente há diversas outras atividades ramificadas, revelando o caráter multiplicador das ações sociais.
          O projeto inicialmente voltado para o ensino da dança do samba, expandiu-se e ramificou-se para outras atividades, como a Cia do Samba,  companhia teatral composta por adolescentes oriundos das aulas de samba. Já montaram o primeiro espetáculo apresentado no Teatro do SESC Madureira e em algumas escolas públicas municipais; o Seminário Arte do Samba, evento anual como parte das comemorações do Dia do Passista[5], com a participação de vários nomes importantes da dança do Samba no Rio de Janeiro, como por exemplo, Carlinhos de Jesus, Dudu Nobre e Diogo Nogueira, padrinhos do projeto; Bloco Carnavalesco Primeiro Passo desfila no carnaval, pelas ruas de Madureira e conta com componentes do próprio projeto, familiares, componentes da Portela e da Filhos da Águia[6]; Duo Primeiro Passo, workshop de dança do samba oferecido como atividade, motivacional,  recreacional e esportiva  em empresas do Rio de Janeiro e São Paulo;  Grupo Jaqueira, grupo de samba composto por passistas-músicos que se apresentam no circuito de samba carioca; Apoteose dos Grandes Passistas, desfile anual comemorativo  que reúne passistas de todas as escolas de samba, do grupo especial e de acesso,  realizado no Sambódromo no dia 19 de janeiro; Quem samba recicla, projeto que envolve oficina de reciclagem de materiais usados na confecção de fantasias e alegorias do carnaval, instalada  no barracão da Portela localizado na Cidade do Samba e por fim, o livro Passo dos Sonhos, livro didático infantil,  para ser utilizado nas aulas de educação física,  cujos principais personagens são duas crianças inspiradas no casal idealizador do projeto, que através do samba vivem experiências positivas em suas vidas.

Território Samba: sentido de ocupação e resistência. 

No ICCPP a maioria dos alunos se diz portelense “com muito orgulho”, e os que não o são demonstram certo constrangimento, como se estivessem deslocados em relação aos idealizadores do projeto, que são portelenses, e ao bairro cuja escola tem grande representatividade. Devemos entender Madureira como um lugar com determinada demarcação física, mas também simbólica, como a “capital do samba” [7], cujos usos o qualificam e lhe atribuem sentidos (LEITE, 2002).
O histórico do samba é essencialmente um histórico de resistência. Seu matiz histórico sempre atrelado à libertação dos escravos, à discriminação racial, à segregação social, ao histórico de perseguição e proibição, identifica uma necessidade constante de privilegiar territórios restritos – terreiros, antros, morros, bares, favelas – nos quais se tornasse possível a sua prática. A esses espaços de execução do samba chamaremos de “território-samba”.
         A questão "identidade + território" no contexto do samba apresentam suas identidades culturais, sobretudo por meio de um enraizamento sociocultural, ou seja, sua dinâmica social, histórica e artística está diretamente ligada à geografia a que pertencem (FERNANDES, 2001). Um bom exemplo são os passistas. Passistas são solistas da dança do samba, responsáveis pela exibição do “samba no pé”, via de regra representam determinada escola de samba, ou seja, um ente pessoal que faz menção a uma entidade social, e apresentará alguns elementos típicos, em sua dança e em sua indumentária, que remeterão a um legado cultural específico relacionado ao lugar onde existe a escola de samba. As escolas de samba imprimem na dança de seus passistas, algumas características que lhes são próprias, e que podem distingui-las, inclusive, umas das outras. No caso do ICCPP, princípios e fundamentos da dança do samba são trabalhados com uma proposta desterritorializada  do conhecimento do samba: não é um "passista de Portela" ou um "passista de Madureira" que efetivamente o Projeto desenvolverá, mas um dançarino que domine e execute os movimentos da dança do samba. Considerando-se, porém, que toda atividade pedagógica é permeada de enlevo pessoal, fazendo com que o subjetivo de quem leciona acabe interagindo com o conteúdo daquilo que é ensinado, tornar-se-ia inevitável que um ou outro elemento característico do samba local - no exemplo do ICCPP, o samba "de Portela", a "casa" dos professores Nilce e Valci, ou o samba "de Madureira" – venha a  alcançar, por abrangência, o samba característico de outras escolas da região, como o Império Serrano, que carrega em sua história marcas indeléveis de suas tradições cultivadas no Morro da Serrinha.
          Os versos do compositor Nélson Sargento retratam a dura luta dos sambistas para a preservação de seus valores intrínsecos: Samba/Agoniza, mas não morre/Alguém sempre te socorre/Antes do suspiro derradeiro/Samba/negro forte destemido/Foi duramente perseguido/Nas esquinas, nos botequins, nos terreiros/Samba/Inocente pé no chão/A fidalguia do salão/Te abraçou, te envolveu/Mudaram toda sua estrutura/Te impuseram outra cultura/E você nem percebeu.[8]
Qualquer estudo mais aprofundado sobre o tema evidenciará que, a exemplo da tradição africana (ou mesmo por estar diretamente relacionada a ela em sua essência) existe um esforço de perpetuação cultural no “mundo do samba”, uma tradição de reprodução sistemática dos padrões e hábitos culturais, sejam eles ligados ao comportamento, culinária, religião, relações pessoais ou mesmo na arte. A exaltação e a preservação das chamadas “velhas-guardas” nada mais é que a representação simbólica da manutenção de todos os preceitos e fundamentos estabelecidos historicamente no passado para sua perpetuação e sustentação no futuro. Essa herança cultural atávica será determinante para o estabelecimento de identidades das chamadas “comunidades” dentro das escolas de samba.  A ancestralidade é fundamental no samba, razão pela qual se usam termos como “bambas” (espécie de ícone cultural, fundador ou elemento difusor da escola, reverenciado como um sacerdote por conhecer os rituais de iniciação do samba), expressões tais como “fulano pertence à nobreza do samba” (quando tem parentesco com um bamba) ou “sambista de raiz” (termo elogioso, que agrega valor, evidenciando uma linhagem de sambista que traz referências claras e imediatas à mais profunda tradição cultural do samba).
No mesmo campo de reflexão quanto à transmissão do saber está o sentido de preservação do saber transmitido, sob um aspecto que privilegia sempre a tradição em detrimento da inovação. É comum, no universo simbólico do samba, o questionamento dos elementos inovadores como sendo “invasivos” ou “descaracterizadores” da essência do saber transmitido. Em relação ao ICCPP, ainda que discretas, há críticas em relação a forma metodológica  e didática com que o samba lá é ensinado. Sambistas veteranos defendem que o samba (não usam  a expressão “dança do samba) é transmitido aos mais novos pelo convívio no meio do samba, é improvisado e criativo; alguns consideram o caráter inato do samba: “já se nasce sabendo”, “o samba é de berço”, “o samba tá no sangue” “cada um tem o seu”.
Sob essa ótica, as escolas de samba se adequam ao raciocínio proposto por Giddens (2001) acerca dos processos de choque presentes nas sociedades modernas quando elas, de certa forma, “violam” princípios de seus núcleos mais tradicionais. Em se tratando de um campo que valoriza a tradição, como ocorre com os sambistas, o raciocínio do autor é de fácil associação a essa questão:

(...) nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente ou futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por práticas sociais recorrentes.

Giddens fez uma interessante observação de como os processos de globalização interferiam nas comunidades tradicionais, a exemplo do confronto gerado entre um meio extremamente conservador e autorreferente como o samba e as propostas estéticas e comerciais presentes na nova fase dos desfiles. De uma maneira, geral, quase por consenso, os considerados “verdadeiros detentores” do conhecimento intrínseco a uma escola de samba, enquanto instituição tradicional são aqueles que possuem em sua trajetória um construto de pertencimento social – em verdade, geográfico e, portanto, territorial – a essa escola. Os “de casa” tendem a ser respeitados e valorizados, ao menos no discurso, devendo prevalecer sobre o elemento estrangeiro ou “global”. Esse grupo constituído por elementos de enraizamento histórico com a escola de samba é referido como sua “comunidade”, constituindo significação específica para o caráter genérico desse termo.
Também se percebe, quando se fala de “mundo do samba”, que há um apreço às “comunidades” de cada escola, em alusão a uma população, um “povo” que lhe é específica, inerente, indissociável. Assim, tem a Portela a comunidade de Oswaldo Cruz e Madureira, o Império Serrano a comunidade da Serrinha, a Beija-Flor a comunidade de Nilópolis, e por aí vai. Embora inseridas em um contexto de pluralidade geográfica, agregando torcedores, frequentadores e componentes de diversas procedências, a raiz e a essência dessas escolas de samba, e de sua representatividade, estão na comunidade local, que representa geograficamente o território onde foi fundada a agremiação, seu berço natal. Tais sentimentos os tornam fortes e identificados uns com os outros.
Zygmunt Bauman, em sua obra Comunidade – A Busca por Segurança no Mundo Atual discute o multiculturalismo para explicar o estabelecimento das comunidades sob o conceito fractal de “minorias étnicas”. Para o autor, a designação “minoria étnica” é uma imposição, um rótulo a qual as comunidades podem ou não, futuramente, se identificar ou lutar por sua perpetuação. Ele cita Geoff Dench para exemplificar o sistema de pertencimento dos grupos: “O pertencimento ao grupo é designado pelas coletividades fortes sobre as mais fracas, sem se considerar a base subjetiva das identidades alocadas”.[9]
Bauman desenvolve essa questão, sustentando que, sob o rótulo de “minorias étnicas”, há diferentes identidades sociais; entretanto essas diferenças raramente são explícitas, pois não derivam de atributos, mas do contexto social em que estão forçosamente inseridas pela “sociedade maior”.  E aprofunda sua discussão estudando a questão da formação do Estado, para justificar que essas minorias representam tudo aquilo que não é pertencente ao modelo homogêneo e unificado da Nação, constituindo um modelo cultural específico, datado, igual.
As “comunidades” ligadas às escolas de samba têm um pertencimento marginal, ligado a populações carentes, a regiões do subúrbio menos favorecidas econômica e culturalmente dentro do ambiente urbano a que pertencem. O jornalista Jofre Rodrigues chegou a afirmar, no ano de 1932, que “Mangueira não ficava na África, mas no Rio de Janeiro”. Sua frase-protesto referia-se à falta de conexão entre o morro e o asfalto, a cidade e a favela, o que levava as pessoas a terem uma referência alienada da escola de samba de Cartola.[10] Nélson da Nóbrega Fernandes destaca duas interpretações possíveis para essa frase de Jofre Rodrigues: a denúncia de uma alienação e de uma segregação da cidade imposta ao morro e a referência clara de que o samba de Mangueira não é africano (oriundo de outro continente), mas essencialmente carioca e, assim, brasileiro (FERNANDES, 2001).
É antigo, portanto, o datado de alienação das comunidades do samba. Os integrantes dessas comunidades parecem curioso objeto de estudo, na época do carnaval, para a mídia em geral, “interessada” em promover, para melhor rentabilidade do espetáculo dos desfiles, toda aquela gama de personagens pobres, favelados e “exóticos”,  constituídas, em sua maior parte, por pessoas de pouca instrução e negras, oriundas de um ambiente que, a bem da verdade, parece uma “tribo” para as elites que “consomem” a festa da Sapucaí. Sob essa perspectiva, pode-se dizer que tais comunidades se adéquam a esse conceito de “minorias étnicas”.[11]
Há como se pode perceber um hiato conceitual entre a significação das escolas de samba para suas comunidades dentro do que chamamos neste artigo de “território-samba” e sua significação numa leitura midiática/elitizada de grupos externos. Hiato que pode ser compreendido como o conceito de “hibridismo” defendido nas reflexões do filósofo e antropólogo Néstor García Canclini acerca do fenômeno da hibridação cultural, procurando compreender o intenso diálogo entre a cultura erudita, a cultura popular e a cultura de massas, travado nos países latino-americanos. Para Canclini, a análise dessas combinações compreende “(...) não só as combinações de elementos étnicos ou religiosos, mas também a de produtos de tecnologia avançadas e processos sociais modernos ou pós-modernos”, sobretudo por apontar, em suas observações, a relevância dos processos tecnológicos e midiáticos na abordagem dessa fusão cultural, a abordagem do autor favorece o entendimento do interesse recente em novos modelos comerciais da cultura das escolas de samba - adaptada ,  sobretudo,  às transmissões pela televisão - por grupos exógenos. A origem rudimentar e simplória da escola de samba, num sentido de representação cultural do meio urbano de ambiente territorial restrito e em classes sociais específicas, torna-se, por força da midiatização, refletida para outras classes que, então, ensejam uma integração e uma participação (CANCLINI, 2006).
Por outro lado, a escola de samba na contemporaneidade, devidamente integrada e não mais “perseguida” nem expurgada do status quo e da inteligentsia pelos meios sociopolíticos do passado, propõe-se a estender seu conhecimento, promovendo a interação cultural para além de seus muros. Dessa forma, promove uma interação com elementos alheios, embora territorialmente próximos, à sua composição criativa.
Entende-se, porém, que a atuação da escola de samba na dinâmica social independe necessariamente de projetos políticos ou socioeducativos promovidos por agentes de governo e seus correlatos. Não obstante a real valia desses projetos desenvolvidos por governos e empresas privadas para concentrar recursos na extensão dos projetos artístico-culturais das agremiações, a escola de samba já é – por essência - um agente interativo transformador de seu entorno social.

Promovendo justiça social e práticas cidadãs
         
          Neste universo de territorialidades marcadas pela cultura do samba está o ICCPP com seu principal objetivo: colaborar na formação de cidadãos sambistas.  A expressão “dança do samba” surgiu através do jornalista José Carlos Rego, em seu livro Dança do Samba (REGO, 2006). Embora seja mesmo uma dança, nunca foi assim tratada; o movimento corporal no ritmo do samba sempre foi apenas “samba”, talvez porque o “samba” seja realmente mais que uma dança em suas múltiplas representações.
         Nilce Fran explica o porquê da valorização do ensino do samba com as técnicas aplicadas a outras danças:

O objetivo do Projeto é também prepará-los para um mercado de trabalho. Toda dança tem suas técnicas, por que o samba não teria? O samba é uma dança. A pessoa recebe um convite prá participar de um show, chega lá tem um produtor e ela não sabe marcação de tempo, espaço, fica perdida...

          Cavalcanti (2006) enfatiza que “embora a escola de samba ocupe um lugar decisivo na definição do sambista, a noção de sambista não dá conta da escola como um todo” . As atividades desenvolvidas nas escolas de samba pelos sambistas durante todo o ano visam bem mais que o desfile de carnaval.
          Se alguns se preocupam que a técnica como parte do ensino da dança do samba pode dele retirar o improviso e criatividade, outros acreditam que ela pode reforçar redes de relação e pode levar ao congraçamento orgânico entre os alunos.
          Se uma ala de passistas atualmente conta com aproximadamente 100 componentes, talvez um quinto deles passe a compor o grupo de “Passistas Show” que passarão a atuar profissionalmente, realizando shows em diversas ocasiões e lugares dentro e fora do Brasil. Alguns participam de pequenas campanhas publicitárias e a maioria confessa, timidamente, o intimo desejo de viver da dança, embora reconheçam o caráter irrisório das remunerações e a falta de organização no que se refere a acordos e contratos de trabalho, na maioria dos casos, inexistentes.
          Outro caminho que tem sido vislumbrado por alguns alunos é o desejo de se tornarem direta ou indiretamente, profissionais da dança através do samba, e citam como exemplos, além dos próprios instrutores, Fábio Batista, ex-passista do GRES Salgueiro, coreógrafo da Cia de Dança Clanm e professor na Escola de Dança Centro Cultural Carioca;  Neto Guilherme Santos, ex-passista do GRES Portela, professor de Educação Física e escritor;  Carlinhos Salgueiro, ex-passista do GRES Salgueiro e coreógrafo contratado pela agremiação; Janaína Azevedo, passista-show da Portela, atriz e dançarina; Rafaela Bastos, passista, musa da mangueira, apresentadora  geógrafa e blogueira colaboradora da coluna de Anselmo Góis sobre assuntos de carnaval e territorialidades, entre outros.
           Em 2007, através da Lei 4.462 (Lei Valci Pelé) foi instituído o dia 19 de janeiro como o Dia do Passista no calendário municipal. No período letivo de 2013, a dança do samba integrou as atividades do projeto Mais Escola, da rede pública, levando aulas de samba aos alunos do ensino fundamental como atividade extra-curricular, através da equipe do ICCPP.

Conclusão

          O movimento social define-se por si mesmo, por aquilo que ele é e pelo que representa. Antes ligados à luta de classes, os novos movimentos se propõem a trabalhar questões que antes eram apenas da esfera privada: questões de gênero e de orientação sexual, questões étnicas, territoriais e culturais. Exprimem uma nova cultura política caracterizada por valores como viver melhor, qualidade de vida, autoestima, direito a diferença, muitas vezes não se congregam em torno de um objetivo comum de mudança social abrangente. Essas novas perspectivas  nos permite ver o samba com todas as suas representações e simbolismos, como um poderoso agente de melhoria de vida para a população dos bairros onde as escolas de samba estão firmadas.
          Acreditamos que o fortalecimento das culturas locais pode minimizar a injustiça social através de mudanças de reavaliação de identidades desprezadas, reconhecimento e valorização da diversidade de culturas ou mais globalmente, alteração substancial dos modelos sociais de representação, o que modificaria a percepção que cada um tem de si mesmo e do grupo ao qual pertence. 
          O Instituto de Cultura e Cidadania Primeiro Passo tem sido um importante agente na promoção de novas perspectivas culturais e profissionais, levando diversas famílias a entenderem o samba como tradição a ser preservada e ao mesmo tempo reinventada; criou perspectivas profissionais através da inclusão de jovens nas alas de passistas de Escolas de Samba;  estimulou  em alguns o desejo de tornarem-se professores de Educação Física; aproximou as famílias que passaram a ver os filhos como artistas em potencial, reforçou as sociabilidades dos jovens através das atividades do projeto e principalmente, reforçou os sentimentos de pertença e afetividade na comunidade local.
          O GRES Portela existe há 90 anos, sua longevidade se deve, principalmente, às representações e símbolos interativos que envolvem a própria agremiação, os portelenses e o bairro de Madureira. O ICCPP trabalha com um duplo viés de inclusão social: o resgate daqueles a quem a gestão do projeto considera "em situação de vulnerabilidade socioeconômica" e um esforço pragmático em função de postergar a arte dos sambistas em geral e especialmente a dos passistas, mediante a sistematização dos passos de dança, a serem catalogados e tecnicamente elaborados/construídos por seus executores.






























BIBLIOGRAFIA

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CANCLINI, Nestor Garcia. 2006. Culturas híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade. São Paulo, EDUSP.
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FERNANDES, Nelson Nóbrega. Escolas de Samba: sujeitos celebrantes e objetos celebrados. Memória Carioca, Rio de Janeiro, 2001.
FRASER, Nancy. Igualdade, identidades e justiça Social. Le Mond Diplomatique Brasil, nº 59, São Paulo, 2012.
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_________ As consequências da modernidade, UNESP, São Paulo, 2001.
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LEITE, Rogério Proença. Contra-usos e espaços públicos: notas sobre a construção social dos lugares na Manguetown. Revista Brasileira de Ciências Sociais – Vol. 17, nº 49, 2002.
REGO, José Carlos. Dança do Samba, exercício do prazer. Rio de Janeiro, Aldeia, 2006.
SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro, Ed. Mauad, 2007.






[1] Especialistas em política internacional afirmam que as redes sociais tiveram papel fundamental na queda de Mubarak, ditador que permaneceu no poder por mais de 30 anos. http://oglobo.globo.com/mundo/redes-sociais-desempenharam-papel-fundamental-na-queda-de-mubarak-afirmam-especialistas-2823615
[2] Gentrification (enobrecimento, embelezamento) tipo de intervenção urbana promovida pelo poder público, destinada a empreendimentos que elegem certos espaços da cidade considerados centralidades e os transformam em áreas de investimentos públicos e privados, deslocando concomitantemente, a população original, geralmente pobre e operária, de suas moradias.
[3] Bamba: aquele que domina a arte do samba.
[4] Parque urbano municipal, com mais de 90 mil metros quadrados, localizado em Madureira, destinado a lazer, atividades culturais e esportivas.

[5]
[6] Escola de Samba Mirim do GRES Portela.
[7] Frase contida no samba enredo da Portela no carnaval de 2013, justificada pelo fato de que em Madureira e seu entorno existem aproximadamente seis escolas de samba: Portela, Império Serrano, Tradição, Em cima da Hora, Unidos de Vila Santa Thereza e União de Jacarepaguá.
[8] Letra da música “Samba – Agoniza, Mas Não Morre”, de Nélson Sargento.
[9] Bauman cita, na página 82 de seu livro, trecho da obra de Dench, Minorities in The Open Society.
[10] É curiosa a observação feita sobre esse distanciamento cultural entre o morro e o asfalto nos anos 30 em comparação com a época contemporânea, em que – guardadas as considerações sobre preconceito e discriminação – o rap, o funk e o hip hop dos guetos fazem sucesso dentre jovens burgueses, os bailes funk das favelas ficam lotados de jovens da Zona Sul e – lado mais degradante da história – “filhinhos de papai” freqüentam bocas de fumo e “filhinhas de papai” namoram perigosos traficantes. Esse entrelaçamento social seria quase impossível no início do século 20, e retrata a mudança no quadro de afastamento entre as realidades da favela e do asfalto.
[11] Pode-se explicar, por essa ótica, o fenômeno de “reciclagem da miséria como produto artístico”, expressa no sucesso de filmes como “Central do Brasil”, “Cidade de Deus”, “Carandiru”, na explosão do rap e do hip hop que refletem temáticas sociais de negros e favelados e em programas de televisão como “Cidade dos Homens”. No que pese a riqueza de seus conteúdos, sua aceitação pelas elites (como a indústria americana do Oscar, por exemplo) só vem confirmar o interesse das classes privilegiadas pelo objeto “distante” e “exótico” das classes inferiores. A hipervalorização de obras desse porte parece “acalentar” o mal estar social, mas, muitas vezes sob a falsa impressão de “aceitação da denúncia”, demonstra uma intenção da elite de promover essas imagens para, indiretamente, reiterar as diferenças e manter sua posição.