"Domingo passado, dia 24 de agosto de 2014, às 10h da manhã aconteceu a primeira fase do concurso para preenchimento das vagas de passistas para o GRESEP de Mangueira. O concurso foi pouco divulgado, e há candidatos descontentes: “Poxa, a gente se prepara tanto, estuda, ensaia e fica sabendo em cima da hora que vai ter o concurso. Cadê o princípio da publicidade?”. Apesar de na própria instituição haver passistas com grande experiência, renomados e premiados, como Indio da Mangueira, Celynho Show, Juliana Clara, Fabiana, Fábio Fuly, Jofre Santos, entre outros, nenhuma “prata da casa” foi convocada a fazer parte da banca examinadora. O local da prova foi o Clube de Sargentos e Sub Oficiais do Exército, revelando o caráter “inovador” do concurso. A lista dos aprovados ainda não foi divulgada, contrariando o prazo divulgado no Edital. Não se sabe se haverá prazo para recursos. A polícia civil está investigando denúncia de que passistas que já ocupavam o cargo foram obrigados a submeterem-se ao novo certame, medida considerada inconstitucional".
O parágrafo acima é uma paródia. Seria engraçado se não fosse tão perto da realidade. Há muito que estamos batendo na tecla de que “lugar de passista é na escola de samba”. Essa reafirmação surgiu como advertência ao segmento, que por anseios profissionais, acabam se afastando do lugar mais existencial do passista: a escola de samba. O passista se revela e se realiza na quadra de ensaios e no dia do desfile. O passista exsurge plenamente diante dos seus pares, os outros passistas; diante dos outros segmentos da escola, das baianas, dos diretores de harmonia; da sua nação; dentro do seu chão, do lugar de referência da sua estória enquanto sambista, no “território samba”, conceito cunhado por Helio R. Rainho.
Há muitas representações e subjetividades que interagem e influenciam a atuação do passista, e todas elas estão ligadas à sua escola de samba. Pode ser as cores estampadas na quadra, o símbolo da escola emoldurado simbolicamente em algum lugar, ou o momento em que se canta o hino, um samba exaltação ou até mesmo um samba-enredo marcante. A memória afetiva dos acontecimentos vivenciados naquele espaço envolve o passista em emoções trazendo respostas corporais irrepetíveis.
SER SAMBISTA É MUTO MAIS QUE SABER DANÇAR SAMBA! Há inúmeras pessoas que dançam muito bem o samba, mas que nada têm a ver com o “mundo do samba”.
Quintero Rivera, estudioso dos ritmos africanos nas Américas chama a atenção para a importância da união da música com a dança para a resposta corporal harmônica:
"Os movimentos da dança nos corpos de homens e mulheres deve ser um perfeito diálogo entre os agentes musicais e os corpos dançantes, especialmente os da América, impregnados de influências africanas. Considera-se quatro aspectos essenciais na dança: a música, as ideias, a mente e o corpo. A missão da música de origem negra é combater e interromper dicotomias, integrando segmentos culturais distintos"
Muniz Sodré compartilha da mesma opinião:
"O ritmo musical implica uma forma de inteligibilidade do mundo, capaz de levar o indivíduo a sentir, constituindo o tempo, como se constitui a consciência [...] As músicas de origem africanas são fundamentalmente rítmicas [...] O som, cujo tempo se ordena no ritmo, é elemento fundamental nas culturas africanas. Isto se evidencia, por exemplo, no sistema gêge-nagô ou iorubá, em que o som é condutor de axé, ou seja, o poder ou força de realização que possibilita o dinamismo da existência [...] o ritmo induz ao movimento e traz alegria transbordante [...] os meios de comunicação musical não se restringem a elementos sonoros, abrangendo também o vínculo entre a música e outras formas artísticas, sobretudo a dança [...] A resposta dançada de um indivíduo a um estímulo musical não se esgota numa relação técnica ou estética, uma vez que pode ser também um meio de comunicação com o grupo, uma afirmação de identidade social"
Acredito que escolher passistas fora da escola de samba em nada contribui para reafirmação dos vínculos identitários entre o passista e a agremiação. O fato de a ala ter sido premiada com o Estandarte de Ouro em 2014, não deve servir como fator autorizador para toda e qualquer atitude que macule tradições preservadas pela escola. Fiquei muito triste ao saber que Mangueira está tomando caminhos estranhos. E não quero aqui me indispor pessoalmente com os amigos que aprovam a idéia, mas não entendo que passistas sejam bailarinos; passistas são antes de tudo, SAMBISTAS.
Tô nem aí pra Mikail Baryshnikov na Portela ou “audição” de passistas a la Teatro Bolshoi.
Que possamos ao final, constatar e declarar “a vitória dos vencidos” , mas por enquanto, é melhor ficar ligado.
Mangueira é nação, é comunidade!
Silvia Borges.
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