Prometi que este ano daria um tempo de falar de carnaval. Não porque não goste, muito pelo contrário, mas olhei em volta e vi que outros apaixonados e doutores no assunto, mestres, bambas, sucumbiram.
O tema tornou-se obsoleto, a discussão, infrutífera. Já deu. Já foi.
Mas não resisti e hoje volto a falar sobre a condição das mulheres nas escolas de samba, mais especificamente, na ala de passistas.
Está prá ser lançado um documentário intitulado "Mulatas: um tufão nos quadris" direção de Walmor Pamplona e roteiro de Aydano Motta que entrevista 13 passistas de destaque no samba carioca. Em seus depoimentos todas falam de solidão e preconceitos, pois muitas vezes são confundidas com prostitutas.
Chegamos na questão central que me fez voltar a este assunto, perturbador e constrangedor: é uníssono que a dança do samba é sensual e erótica. A dança. Mas é arte. Assim como a dança do ventre, o tango, etc.
Eu, particularmente, não destacaria esta característica como principal, mas tudo bem. Pode se dançar individualmente ou aos pares, o que lhe dá um alcance teatral, onde o casal simula um "cortejo" através dos movimentos.
Mas se tudo é tão "artístico" o que estigmatiza tanto as passistas?
Estive na Grande Rio e presenciei uma "escolha de passistas".
Aproximadamente 10 jovens se apresentaram, num primeiro momento com "roupas" mínimas, tops e saias de babadinhos "dando pinta" de calcinha. Todas sambavam, a diferença era mais no tipo físico do que no samba em si, que tem se homogeinizado no que tange as apresentações. Praticamente não se vê criatividade nos passos, não há, principamente entre as mulheres, um estilo próprio.
Já houve, e nesse quesito não posso deixar de falar das "rodas de passistas" que se formavam na quadra da Portela. Quem viu, viu. Quem não viu...
Aí anunciaram que haveria uma segunda apresentação, agora de biquini. Biquini de passista é na verdade, uma fantasia, uma linda fantasia, com paetês, plunas, cabeça, tornozeleiras e braceletes, colares, etc. Mas eis que surgem as meninas, enfileiradas, com um biquini de lycra enfiado na bunda. Já era madrugada, a exibição era num palco onde fica a bateria, composta em sua maioria por homens. Pude ver uma bem novinha que colocava as mãos cruzadas prá trás, tentando tapar um pouco do tudo que ela mesma permitiu-se exibir.
Lembrei-me das escolhas de Rainha e Princesas de bateria de Mangueira antes da minha querida escola se rendar às celebridades: as passistas primeiro dançavam com uma roupa simples, podia ser short, bermuda, vestido, qualquer coisa. Depois, acreditem-, vinham com um vestido longo, de festa. Vinham lindas, elegantes, maquiadas, com os cabelos arrumados, umas pelas outras.
E sambavam, sambavam muito e bonito. Biquinis, só nos shows ou no desfile.
É complicado acusar a escola por tamanha exposição e desvalorização da mulher se a própria mulher não se insurge contra tal situação e ás vezes até gosta, compactuando, feliz da vida, com sua própria coisificação.
Paradoxalmente, praticamente todas as agremiações possuem suas escolas de samba mirim. Mas o que estão ensinando às meninas passistas sobre o papel da mulher na escola de samba?
Por que uma mulher precisa estar quase nua para mostrar que sabe sambar?
Desrespeito e banalização de uma manifestação tão bonita como o samba dançado, eu repudio.
Esta nostálgica senhora que vos escreve foi passista da Portela e da Mangueira nos anos 90.
Excelente texto, Silvia Borges ! A erotização descarada tomou conta de tudo... Perdeu-se em "samba no pé" (agora movimentam as mãos freneticamente (tipo " Babalu no liquidificador"), fazem "caras e bocas" e como no funk, mostram marquinha de biquini e peitos siliconados... Resumo: perdeu o Samba, perderam as mulheres... (mas como tudo tem seu tempo, cabe às pessoas que pensam diferente fazerem as coisas "retornarem ao eixo", resgatando este ícone chamado passista de Escola de Samba ! o Samba e o Carnaval agradecem !
ResponderExcluir