Num bate papo na Lapa, durante o Cabaré do Malandro de Celynho Show, na companhia
do jornalista e estudioso das coisas do carnaval Hélio Ricardo Rainho e do
passista mangueirense Eduardo Telles, discutíamos sobre o que significa, de
fato, para o passista, ser valorizado. A questão foi suscitada a partir de um
comentário de uma passista vinculando fidelidade à remuneração na escola de samba, após ser advertida por seu coordenador por estar faltando aos ensaios para estar nas coirmãs.
A maioria dos passistas com quem
conversei ao longo de 02 (dois) anos de pesquisa e trabalho de campo, parece
ter uma ideia muito vaga e confusa sobre o valor que têm ou sobre que ações materializam
esse valor.
Fazendo um apanhado de tudo que foi
dito e respondido sobre esse tema, posso afirmar que ser valorizado, na perspectiva
do passista, é ter uma imagem, num programa de TV ou o nome citado em alguma
matéria jornalística; ser convidado para shows (quanto mais convites, mais
valor); não ter que pagar pela fantasia nem pela roupa de show; não ter que
pagar ingresso em outras agremiações; ser “elevado” a categoria de “muso”, “rei”
ou “rainha”, ter sua presença anunciada pelo locutor da escola que estão
visitando; estar em evidência, ser “visto”, ser lembrado e imitado,
ter seguidores; ser aplaudido e reconhecido como elemento importante na sua
escola de samba e também nas outras.
Contudo, paradoxalmente, o que se
observa é uma certa frouxidão, um esgaçamento dos laços entre o passista e a
agremiação que ele tanto quer que o valorize. No grupo especial há 12 escolas
de samba e um contingente de aproximadamente 1000 passistas desfilando. Nossa “enquete”
de facebook foi respondida por menos de 1% desse universo. Isso é algo que
também nos chama a atenção: a pouca importância que os passistas dão aos
debates do seu interesse.
Mas será que esses debates realmente interessam aos passistas? Será que a figura e a forma de atuar dos atuais coordenadores
não esvaziam a participação e o interesse dos passistas pelo próprio segmento
que compõem? Como exemplos de um entendimento
diferenciado sobre o que é ser valorizado pela escola de samba, cito os
passistas Jofre Santos da Mangueira e Luciene Santinha da Grande Rio como tipos
ideais[1],
na carona de Max Weber.
Ambos são veteranos em suas escolas, ele há
20 anos; ela há 15. Ele tem 60 anos e ela, 30. Durante todo esse tempo, no
grupo especial, nunca desfilaram por outra escola que não fosse Mangueira e Grande Rio, respectivamente. São presenças constantes nos ensaios, chova ou
faça sol, lá estão eles, sambando felizes na quadra. Estão sempre “prontos prá
foto”, ou seja, sempre vestidos com a cor da escola, inclusive quando visitam
outra agremiação. Mas de tudo isso o que mais chama a atenção é o apego que
eles demonstram à arte de sambar, ao samba no pé. Jofre e Santinha são passistas, primeiramente
porque amam sambar, têm prazer em sambar. Dão tanta importância às suas escolas
de samba, que as colocam, muitas vezes, à frente de outros aspectos igualmente
importantes na vida de qualquer pessoa.
Jofre é passista, mas por alguns anos desfilou como "muso", uma espécie de destaque de chão e expressão de reconhecimento que o então Presidente Ivo Meirelles concedeu a alguns passistas antigos da escola. Atualmente Jofre voltou á ala de passista e está feliz; o fato de
não ser mais “muso” parece não ter feito nenhuma diferença pra ele enquanto passista. Ele estava muso, mas é um passista e como tal exerce seu ofício com altivez e alegria.
Luciene Santinha é passista, e por
algum tempo desfilou como Rainha das Passistas, uma forma de prestigiar as passistas já que o posto por elas cobiçado, que é o de Rainha de Bateria, na Grande Rio é ocupado por atrizes e celebridades. Hoje Luciene está novamente na
ala como passista e a alegria é a mesma! Continua frequentando assiduamente aos
ensaios, participa das etapas de apresentação coreografada, samba sozinha, samba
no grupo, samba na bateria, parece incansável!
Jofre e Luciene não se sentiram desprestigiados porque voltaram á condição de passistas. Não são agora "apenas" ou "um simples" passistas. Entendem que o valor do passista está nele mesmo. Se sentem felizes e valorizados
em suas escolas, primeira e principalmente porque tiveram seus talentos e capacidades técnicas reconhecidos quando foram escolhidos para serem PASSISTAS! Musos, Rainhas, Reis ou Mulatas não são categorias superiores à de Passista. Valorizaram
suas agremiações com amor, frequência, assiduidade, empenho, participação
voluntária e comprometimento. Mas isso leva tempo e acaba não servindo pros que
têm pressa, que chegaram ontem e já querem sentar na janela.
[1]Termo associado ao sociólogo Max Weber. Conceito teórico abstrato criado com base na realidade-indução, servindo como um "guia" na variedade de fenômenos que ocorrem na realidade; por se basear na indução, dá "ênfase na caracterização sistemática dos padrões individuais concretos".