sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

O LUGAR DO NEGRO NAS ALAS DE PASSISTAS DAS ESCOLAS DE SAMBA CARIOCAS

O samba como expressão cultural da diáspora africana Oficialmente os desfiles das escolas de samba no Rio de Janeiro tiveram início em 1932. Estudos sobre o pensamento social brasileiro desta época revelam um país ávido na construção da sua identidade nacional, especialmente nas artes, através de um modelo de nacionalização onde o samba aparece como nosso mais autêntico símbolo, ao lado do futebol, da feijoada, da capoeira, da umbanda, da malandragem e do carnaval. O surgimento dos primeiros blocos ou ranchos carnavalescos que deram origem as escolas de samba, se deu por volta de 1917 , época de exaltação ao que se considerava próprio do brasileiro, numa reação à onda imigrantista que predominava no país. Buscava-se a autenticidade, o folclore passou a ser valorizado e o negro considerado o melhor representante da cultura nacional. Foi um período de transição entre as teorias racialistas e as teorias culturalistas. Dos aproximados 5 milhões de negros africanos introduzidos no Brasil durante o período escravocrata, parte deles foram trazidos de Angola, Congo e Moçambique. Eram considerados os mais festeiros e acredita-se que o samba primitivo descende das antigas danças de roda desses grupos. A Abolição provoca a vinda de muitos baianos para o Rio de Janeiro, que se instalam nas proximidades do Cais do Porto, onde a moradia era mais barata e havia maiores possibilidades de trabalho (MOURA, 1983). Mais tarde, com a Reforma Pereira Passos, com o intuito de remodelar e higienizar (gentrification) a cidade entre o final do século XIX e início do século XX, novos modelos de moradia surgem na região central do Rio de Janeiro, incluindo cortiços e favelas, onde iria morar parte dessa população negra. Se como escravo a vida do negro era sofrida e apartada de condições sociais dignas, como liberto o Estado não se importou com o que lhes aconteceria, já que nenhuma política lhes foi reservada. O mercado de trabalho priorizava os imigrantes, o preconceito dificultava a inserção dos negros nas indústrias, no comércio e no funcionalismo público. A presença dos negros, na Rio de Janeiro inspirada em Paris, era sinônimo de atraso, expressavam em suas relações cotidianas manifestações culturais de origem africana e lembravam a sociedade o que todos queriam esquecer: a escravidão. Os republicanos reprimiam qualquer tipo de atividade cultural dos negros, que se organizavam a seu modo, a situação se tornava cada vez mais difícil já que a lei penal da época criminalizava andarilhos, mendigos, desocupados, vadios e capoeiras. A marginalização sócio-econômica do negro era evidente final do século XIX através de sua exclusão pelas instituições, tornando-o cada vez mais incompatível com o mercado de trabalho urbano. Essa desqualificação não era puramente técnica, era também cultural. Os costumes, a religião, o lazer, os modelos de comportamentos, e a principalmente a cor da pele eram negativamente estigmatizantes para eles. A implementação do sistema de trilhos, em 1858 levou essa população desabrigada do Centro do Rio de Janeiro a migração para novos espaços geográficos. A construção da Estrada de Ferro Central do Brasil possibilitou o acesso à vasta região ao redor da malha do novo transporte urbano (MARTINS, 2009). O samba inicialmente foi produzido nos morros do Rio de Janeiro, depois chegou aos bairros da zona norte, mas com a repressão policial sempre presente. Atribui-se a Paulo da Portela importantes iniciativas para tornar o samba mais “bem visto” socialmente. Foi o principal articulador junto às autoridades na luta pela legalidade do samba como também o primeiro a estabelecer relações mais achegadas com a imprensa e a política, impondo, inclusive, o uso do termo e do chapéu, ainda hoje prestigiado pelos sambistas portelenses. A participação de pessoas ligadas aos cultos afros na formação das escolas de samba já foi apontada por diversos autores, mostrando o samba como expressão de resistência ao mesmo tempo em que fortalece sua prática cultural identitária. Bastide (1971) considerou samba e candomblé “organizações africanas”. O samba é um elemento importante constitutivo da nossa identidade social e cultural, como afirma Da Matta no prefácio do livro de Roberto M. Moura (2004). Buscando construir um ethos brasileiro através de uma cultura tropical totalmente diferente das de outros países, manifestações culturais que estavam inicialmente restritas a certos grupos sociais, como pobres e negros, são apropriadas por parte do resto da sociedade e transformadas em símbolos nacionais assumindo assim um caráter de identidade brasileira. Com a crescente importância do carnaval para a economia da cidade e posteriormente do país, o samba passou a ser aceito e desejado por todo o resto da população, mais que isso, o samba se tornou uma das maiores representações da cidade do Rio de Janeiro e da nação brasileira (FERNANDES, 2001). O samba se embranquece O samba é um termo de ampla abrangência e não deve ser entendido de forma fragmentada: é um gênero musical, um lugar onde sambistas se reúnem e também uma dança, através da qual observei o lugar do passista negro nas escolas de samba cariocas. Eram negros os primeiros dançarinos solistas dos cortejos carnavalescos, que abriam os cortejos ao ritmo de percussão e cantoria. Esses dançarinos são os passistas atuais. Assim como no Recife os capoeiras, ao som das marchas e dos dobrados, criaram os passos do frevo; no Rio de Janeiro, o mesmo fenômeno iria se repetir a partir de 1870, com os caboclos dos ranchos carnavalescos. Mais tarde, por volta de 1920, esses dançarinos negros comporiam as escolas de samba, com suas músicas, danças e seus instrumentos com fortes traços africanos, uma forte representação cultural da afro diáspora. O afoxé, segundo Nina Rodrigues é o “candomblé das ruas”, “da África inculta que veio escravizada para o Brasil”. O samba é seu similar no Rio de Janeiro. Na Bahia ou no Rio de Janeiro, havia samba onde estavam os negros reunidos, como inequívoca forma de resistência à degradação e diluição de costumes lúdicos e religiosos. O samba se tornou a principal música de influencia africana introduzida no Brasil, diversificando-se em formas regionais No início das escolas de samba o componente negro era prevalente em todos os setores; atualmente seu predomínio é principalmente nos setores não remunerados e que exigem maior dedicação de tempo, esforço físico e habilidade técnica, como a bateria e passistas. A ala da bateria é composta por ritmistas, músicos que tocam instrumentos de percussão que sustentam a escola musicalmente durante o desfile. Já os passistas são os exímios dançarinos da dança do samba, responsáveis por levarem pra avenida o “samba no pé” da escola. Mas considero importante analisarmos essa prevalência a luz de um conceito novo: o colorismo. O colorismo foi utilizado originalmente pela escritora e ativista negra Alice Walker em 1982. Refere-se a um tipo de racismo onde os negros são mais ou menos aceitos de acordo com o tom de suas peles. Quanto mais clara a cor da pele, maior a possibilidade de aceitação. Ao longo da minha pesquisa sobre passistas de escolas de samba, iniciada em 2012, observei a ocorrência desse fenômeno em algumas alas de passistas de escolas de samba, especialmente no grupo feminino. As alas desfilam com aproximadamente 80 passistas, sendo metade desse contingente formada por mulheres negras majoritariamente. Entretanto, são negras com tom de pele mais claro e cabelos menos crespos chamadas de “mulatas”. Internamente a ala de passistas é dividida em pequenos subgrupos diferenciados pelo figurino e pela coreografia que apresentam: passistas (propriamente ditas), africanas e mulatas. No subgrupo africanas concentram-se as passistas de pele mais escura, com roupas mais simples, descalças e com coreografias predominantemente de dança afro adaptado ao samba. Nos subgrupos passistas e mulatas, estão as passistas brancas e negras de pele mais clara, com figurinos mais elaborados e mais expressivos visualmente. É comum que os próprios sambistas citem a diferença entre as categorias passista e mulata. Passista é a dançarina do samba que apresenta o “samba rasgado”, um tipo de samba que requer do dançarino mais força, rapidez e intensidade nos movimentos. Já a mulata é a dançarina de samba que primeiro se profissionalizou, de palco, muitas delas sem nenhuma vinculação com Escola de Samba. Costumam fazer shows dentro e fora do Brasil. O samba que elas dançam é mais coreografado e com movimentos mais suaves. Com o processo de espetacularização, agigantamento e departamentalização das Escolas de Samba, os passistas estão sendo mais preparadas para show e apresentações, evitando que a Escola contrate dançarinos de fora para seus eventos. Num Curso de Formação Profissional de Mulatas promovido pelo SESC/RJ (1980/1990), objeto de pesquisa etnográfica sobre a construção de identidades de gênero e raça/cor, Giacomini (2006) observou através das narrativas das entrevistadas, que há várias maneiras de ser e definir o termo mulata. A pesquisadora optou por agrupá-los em dois grupos: o dos atributos inatos (coletivos e individuais) e os adquiridos. Os inatos coletivos dizem respeito aos negros em geral (cor, saber sambar, ter o samba no sangue); os inatos individuais dizem respeito a características pessoais (ter corpo bonito, ser alta, ter corpo “violão”, bunda empinada). Os atributos adquiridos tratam da questão profissional ou do aprendizado - paradoxal em certo sentido – de se aprender a ser o que se é - (comportar-se segundo as exigências da profissão, ser profissional, ser responsável, saber enfrentar o publico, saber se produzir, saber interagir com o publico). O que se buscava nesse curso era a mulata típica, a verdadeira mulata paradigmática, exótica e exacerbadamente sexualizada, “que corresponde a um imaginário presente na sociedade brasileira” . Gilberto Freyre que tão bem tratou das relações intimas e privadas entre brancos e negros em Casa Grande e Senzala, nos disse a esse respeito em 1936: o bom senso popular e a sabedoria folclórica continuam a acreditar na mulata diabólica, superexcitada por natureza [...] Por essa superexcitação, verdadeira ou não, de sexo, a mulata é procurada pelos que desejam colher do amor físico os extremos de gozo, e não apenas o comum . E antes dele, Nina Rodrigues considerou “anormal” a suposta “excitação sexual da mulata brasileira”. A presença da mulher negra nas escolas de samba sempre foi de suma importância. Dançar no terreiro, hoje chamado de quadra, era privilégio delas, das pastoras, num memorial das tradições africanas, tal como se vê também no candomblé. Por volta dos anos 50, o show bussiness carioca passou a recrutar essas mulheres para suas produções, visando mais a plástica que o talento no dançar. Ney Lopes (1981) observou essa transição: As damas antigas deram lugar às vedetes com suas plumas e paetês, tangas e pernas de fora; o samba no pé foi relegado a segundo plano (mesmo pela impossibilidade de se sambar com saltos altíssimos, modelo de plataforma, num arremedo dos tempos do teatro de revista), face a importância do rebolado, do “bole-bole”, muito mais sensual e sugestivo.[...] E certamente abriu caminhos profissionais para muitas negras, em busca de uma ascensão social, que lutam ardentemente por ser uma “mulata que não está no mapa”, numa exaltação duvidosa de sua condição feminina e num aviltamento de sua circunstância racial. São poucos os negros de pele escura nas alas de passistas das escolas de samba investigadas. O negro cuja presença é maioria nas alas de passistas, é o mestiço, o mulato, o negro de pele mais clara. As escolas de samba passaram por um processo de branqueamento, à semelhança de outras heranças da cultura afrodiaspórica presentes no Brasil. Esse processo é resultado da inclusão de pessoas brancas neste tipo de manifestação, que alguns autores entenderam como espoliação sócio-cultural, como destacou Rodrigues (1984): A inserção da população branca dominante nas escolas de samba, além de acelerar transformações negativas nas festas e desviar o verdadeiro sentidos dos desfiles e dos ensaios, ocasionou ao mesmo tempo, um processo mais grave: um paulatino branqueamento de tais manifestações, e como conseqüência, cada vez mais, valores e interesses também são branqueados. No concurso para a Corte do Carnaval da Cidade do Rio de Janeiro em 2010, composta por 1 Rei Momo, 1 rainha e 2 princesas, apenas o homem era negro, todas as mulheres eram brancas de cabelos loiros. Praticamente todos os presidentes e dirigentes de escolas de samba são brancos. Hierarquicamente os negros estão em posição inferior na organização das escolas de samba. Em regra, os negros criam, sambam, tocam, dançam, trabalham e geram lucro para as escolas de samba; os brancos dirigem, coordenam, retiram vantagens e ganham status. Os sambistas negros anseiam pela profissionalização – especialmente os passistas - como caminho para sua ascensão social através do samba. Passariam assim de ”sambistas” a “bons cidadãos”. Ney Lopes (1981), há 34 anos considerava utópica a ascensão social do sambista e destacava a presença do elemento estranho, a atuação da imprensa, aliado ao sonho de uma profissionalização que nunca ocorreu verdadeira e globalmente como fatores que, ao longo de tempo, destruíram o espírito de comunidade que caracterizou as escolas de samba até certa época. Entretanto, a história não é linear e a cultura tem sua dinâmica e seus hibridismos que apontam para novas possibilidades, sempre. BIBLIOGRAFIA BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil – contribuição a uma sociologia das interpretações de civilizações. 2v. São Paulo: Livraria Pioneira; Edusp, 1971. FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mocambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. São Paulo. Companhia Editora Nacional, 1985 (1936). GIACOMINI, Sonia Maria. Natureza e aprendizagem num curso de formação, 1992. Dissertação Mestrado. Programa de Pós Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal Fluminense. LISBOA, Salete; LOUREIRO, Marcelo. Portela, 90 anos de história. Ed. Sade, 2013. LOPES, Helena Theodoro. Negro e Cultura no Brasil. LOPES, Ney. O samba na realidade: a utopia da ascensão social do sambista. CODECRI, Rio de Janeiro, 1981. MARTINS, Ronaldo Luiz. Mercadão de Madureira: caminhos de comércio. Condomínio do Entreposto Mercado do Rio de Janeiro, 2009. MOURA, Roberto. Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro. FUNARTE, 1983. RODRIGUES, Ana Maria. Samba negro, espoliação branca. Hucitec, São Paulo, 1984. RUFINO, Luiz. História e Saberes dos Jongueiros. Editora Multifoco, 2014.

domingo, 3 de janeiro de 2016

AINDA RESTA UM POUCO DE ESPERANÇA, APESAR DAS DESAVENÇAS: amizade e respeito entre os passistas

O samba traz em si características próprias da cultura negra, como a reverência aos ancestres, respeito aos mais velhos e valorização da memória através da preservação das tradições.

Ontem, no primeiro ensaio do ano na quadra da minha querida Mangueira, inebriada pelo belíssimo samba que evoca as forças de Oya sobre uma escola já tão forte e vibrante, não pude deixar de observar, especialmente entre os passistas, como essas condutas, felizmente, ainda se fazem presentes na escola de samba.

O ancestre está ligado à história dos seres humanos, a história hereditária, familiar de cada um de nós. Interioriza seu pertencimento a um grupo social limitado, marcando emblematicamente seus valores éticos e suas formas de conduta (SANTOS, 1984)

. A Mangueira, em seus 88 anos de idade, é o lugar onde muitas famílias tiveram suas histórias inscritas e seus descendentes estão ainda por lá, com mais ou menos protagonismo. Lá é “onde se junta o passado, futuro e presente” . Saturnino Gonçalves foi o primeiro presidente da escola em 1928; oitenta anos depois, em 2008, sua neta Chininha assume o mesmo cargo. Outro bom exemplo é o de Roberto Firmino, que assumiu a presidência da escola em 1992; atualmente sua filha Guanaíra Firmino é a diretora responsável pelas alas da Comunidade . Muito se diz sobre as vaidades e egos inflamados presentes no mundo do samba, mas pouco se fala sobre a reverência, respeito e amizade que subsiste e ainda pode ser vista entre os passistas. Não importa se aquele que hoje reverencia, amanhã critica ou até fala mal, isso faz parte da dinâmica da vida, do movimento, da transformação e da mudança de ações e opiniões.
No dia da escolha de samba, em outubro do ano passado, o jovem passista Renam Oliveira usou uma camisa com a seguinte frase estampada: “Gargalhada, Romero, Indio e Celso, o meu passo é o teu”. Foi uma comoção geral! Os passistas citados, são grandes nomes na história da Escola, todos ainda em atividade, exceto Gargalhada, falecido em 2003. Jofre Santos, há mais de 30 anos na escola, fotografado por J.M. Arruda durante o ensaio técnico na Sapucaí foi muito elogiado e exaltado nas redes sociais pelo seu valor como um passista veterano e que tão bem representa a Mangueira.

A função social do mais velho é guardar e transmitir os saberes, a memória e as tradições, ligando o passado ao presente, garantindo assim o futuro daquela cultura. São fundamentais na formação identitária do grupo. Nos encontros, as histórias narradas - e são muitas histórias! – são formas de transmissão de experiências, que acumuladas, dizem o que é ser passista.

É comum que passistas mais jovens incorporem alguns trejeitos dos mais velhos, criando assim um estilo de samba próprio daquela escola. O “mais velho” nem sempre é tão mais velho assim, pode ser o que possui mais experiência de desfiles, o mais premiado, ou aquele cuja qualidade do samba é inquestionável. Valesca, uma conhecida passista da Portela nos anos 80/90, afastada dos desfiles e das quadras há muitos anos, foi vista ontem no ensaio em Mangueira e recebida com muita festa. Fábio Fuly, considerado um passista “de alta performance” premiado e também veterano, tocou-lhe os pés enquanto sambava na roda, em sinal de respeito e reverência. Um dos gestos mais bonitos que já presenciei numa roda de samba!

O imediatismo, a profissionalização, o gigantismo e a excessiva competitividade podem, em certa medida, provocar um apagamento do legado deixado pelos mais velhos e um esvaziamento afetivo nas relações entre os passistas e sambistas de maneira geral, mas enquanto isso não acontece, ainda podemos celebrar o samba, com muito amor, carinho e amizade, como fizemos ontem, até as 5h da manhã, na quadra da Estação Primeira de Mangueira.

Santos, Juana Elbein dos. Os nagôs e a morte: padê, àsèsè e o culto Éguns na Bahia. Vozes, 1984. Trecho da música “Meninos da Mangueira” de Ataulfo Alves. www.mangueira.com.br

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

EM ESCOLA DE SAMBA ANTIGUIDADE É POSTO. OU NÃO???

Antiguidade sempre foi posto em escola de samba. O tempo somado à contribuição torna alguns referência histórica na agremiação. O respeito que devotamos às velhas guardas vem daí. O episódio ocorrido com Nilcemar Nogueira no sábado passado na Mangueira (barrada na entrada da quadra pelos seguranças) e por ela mesma divulgado nas redes sociais, foi um incentivo a escrever sobre algumas questões aparentemente não observadas ou desprezadas nos (malditos) testes para passistas.

Testes e provas já são considerados hoje, formas arcaicas e ultrapassadas de avaliação, mas praticamente todas as escolas de samba se valem desse meio para escolher seus passistas. Passistas eram escolhidos durante os ensaios na quadra da escola por um coordenador, que pouca ingerência tinha na parte técnica do passista, ou por diretores da escola. Observava-se samba no pé, simpatia, e freqüência. Essa observação não era feita num dia, muito menos em 2 minutos, mas através de um processo que podia se estender por algumas semanas ou meses.

É possível uma avaliação minimamente justa numa ala tão heterogênea? A dança é uma forma de arte e as avaliações sempre serão eivadas de subjetividade por parte de quem julga (o gosto pessoal de cada um). Há escolas que conseguiram homogeneizar o grupo de passistas retirando, compulsoriamente, todos os adultos, mantendo apenas crianças e adolescentes recém chegados na escola.

Outro aspecto que deve ser levado em conta é o da REPRESENTATIVIDADE. Ultimamente, os olhos se voltaram quase que exclusivamente para a técnica (a forma como cada movimento é realizado) e plasticidade (o que se considera belo, apresentável, em corpo e figurino) esquecendo o que alguns sambistas/passistas representam simbolicamente para a agremiação. Olhávamos para Gargalhada e víamos Mangueira; olhávamos para Vitamina e víamos Salgueiro; olhávamos para Edinho e víamos Beija Flor de Nilópolis!

Sinceramente, não entendo como se pode julgar todo um repertório de representatividades que compõe o ser passista, num teste. Há quem considere uma honraria um passista veterano participar de um teste. Tenho minhas dúvidas. Será que passistas que estão na escola há 10, 20, 30, 40 anos, que quando mais jovens, contribuíram com importantes premiações, como o Estandarte de Ouro, por exemplo, sentem-se “honrados” em serem testados ao lado de passistas que chegaram ontem na escola? É possível desaprender a sambar? O menos experiente julgando o mais experiente? O discípulo julgando o mestre? O poste mijando no cachorro?

Muito bacana a escola permitir a permanência dos passistas veteranos, alguns já idosos na ala, mas para que esse direito se efetive, é necessário oferecer-lhe as condições necessárias (alguns privilégios, sim!) para que ele possa lá estar, encantando as pessoas, pois são reconhecidos, criaram ao longo do tempo, uma identidade na escola; e transmitindo aos mais jovens saberes que vão além da técnica.

No caso das mulheres a situação é ainda mais complicada, pois os figurinos são únicos e pensados para adolescentes, vestindo inadequadamente mulheres mais velhas.

“A regra é pra todos! Não importa quanto tempo vc tem de escola”. Não no samba. Esse pensamento que pretende promover igualdade, na verdade, desconsidera diferenças relevantes entre pessoas que fazem parte de uma cultura que se pauta na ancestralidade e respeito aos mais velhos, por isso reverenciamos mangueirenses como Seu Nelson Sargento, Tia Suluca, Mestre Tantinho; e pela mesma razão devemos prestigiar nossos passistas veteranos.

Grande exemplo nos dá a Velha Guarda da Bateria, quem sabe um caminho para os passistas mais antigos?! Não tenho a resposta para todas as perguntas nem a solução para todos os problemas. Vivemos em tempos de apresentações, figurinos, coreografias, calendários rígidos, tempos de espetáculo. Contudo, acho que o papel que o passista exerce na escola de samba é de suma importância e por isso merece todo respeito e consideração. Respeitem quem pode chegar onde a gente chegou!


Na foto, Indio da Mangueira (Estandarte de Ouro -1984) e Celso (Estandarte de Ouro 1992), no desfile de 2015.

Nilcemar Nogueira é neta de Dona Zica e Cartola, Diretora do Museu do Carnaval e Doutora em Psicologia Social.

domingo, 5 de julho de 2015

SAMBISTA E ACADÊMICA, COM MUITA HONRA!

Transcrevo aqui uma rápida conversa narrada pelo Professor Salo de Carvalho, (Criminologista, Professor da UFRJ, Pesquisador e escritor), entre ele e um senhor desconhecido no Aeroporto.

- Para acabar com a violência, só prendendo esses menores, não?.
- Qual a sua profissão?
- Médico.
- O senhor não fica indignado quando opinam sobre medicina sem nenhum conhecimento?
- Sim.
- Qual a sua especialidade?
- Criminologia. Respondo e retomo a minha leitura.

Observo e me chateio com opiniões de pessoas que entendem pouco ou nada do riscado, cujo interesse é litigar em causa própria, interesses classistas. Pra esses, sinceramente, torço sim, pelo tiro no pé! (inclusive literalmente).

Tenho visto também, e com muita tristeza, ataques irônicos a acadêmicos e intelectuais por pessoas que muitas das vezes, quando lhes convêm, estão absolutamente confortáveis neste lugar, com seus discursos desconstrutivistas, corrompendo, maculando e subtraindo bens culturais imateriais daqueles que no fundo, eles odeiam e adorariam ver banidos na face da Terra.

Essas pessoas as quais me refiro aqui, preocupam-se apenas em seus próprios interesses e vão adequando seus discursos de acordo com a conveniência; a mim não enganam.

Antes que venham as acusações espúrias, vou logo avisando que não sou, como muitos pensam, jornalista, socióloga ou antropóloga; sou advogada, atuante, especialista em Direito e Processo Penal, Direito Internacional com ênfase em Direitos Humanos, o que me autoriza a comentar, ao menos timidamente, sobre o assunto.

Ué, mas vc pesquisa sobre escolas de samba??? Sim. Sou SAMBISTA e fui PASSISTA por aproximadamente 10 anos pelas duas escolas de samba mais antigas do Rio de Janeiro (Portela e Mangueira) e com muito esforço e resistência, tento levar o Samba para dentro da Universidade, pq algumas interlocuções ainda não são facilmente vislumbradas; mas cultura e direito não são dissonantes. Aliás, o Direito a Cultura é constitucional (art. 215 da CF).

Há de se ter o mínimo de coerência política: não dá pra fazer a populista no SAMBA e a REACIONÁRIA fora dele.

sábado, 16 de maio de 2015

O MACHO RECALCADO

Fico perplexa com a quantidade de homens jovens já tão bem iniciados no machismo em suas mais "sofisticadas" expressões. Numa rede social o menino escreve: "Fui ao Mc Donald e quem me atendeu foi uma garota que eu era apaixonado na segunda série. #DEUS É JUSTO#, acompanhado de uma foto onde exibe seu lanche "vip" e dois emotions: um coração partido e um soco. Na concepção machista, um homem é tudo de melhor que uma mulher pode ter na vida, e se por ventura ela o despreza, é uma idiota e há de se arrepender pro resto dos seus dias! Outra questão doída nesse post é a inversão de valores com o objetivo único de humilhar a mulher. O trabalho, que deveria honrá-la, é apropriado pelo macho para humilhá-la. A ferida narcísica permanece aberta depois de mais de 10 anos, já que quando ele foi por ela ignorado, ambos eram crianças, e só Deus e sua justiça para confortá-lo. Tão novinho, já tão recalcado. Combater o machismo a tempo e fora de tempo, em casa, na rua, no trabalho, na faculdade, educar os filhos, filhas, noras, netos, companheiros. Essa luta é nossa.