Blog da Silvia
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016
O LUGAR DO NEGRO NAS ALAS DE PASSISTAS DAS ESCOLAS DE SAMBA CARIOCAS
domingo, 3 de janeiro de 2016
AINDA RESTA UM POUCO DE ESPERANÇA, APESAR DAS DESAVENÇAS: amizade e respeito entre os passistas
Ontem, no primeiro ensaio do ano na quadra da minha querida Mangueira, inebriada pelo belíssimo samba que evoca as forças de Oya sobre uma escola já tão forte e vibrante, não pude deixar de observar, especialmente entre os passistas, como essas condutas, felizmente, ainda se fazem presentes na escola de samba.
O ancestre está ligado à história dos seres humanos, a história hereditária, familiar de cada um de nós. Interioriza seu pertencimento a um grupo social limitado, marcando emblematicamente seus valores éticos e suas formas de conduta (SANTOS, 1984)
. A Mangueira, em seus 88 anos de idade, é o lugar onde muitas famílias tiveram suas histórias inscritas e seus descendentes estão ainda por lá, com mais ou menos protagonismo. Lá é “onde se junta o passado, futuro e presente” . Saturnino Gonçalves foi o primeiro presidente da escola em 1928; oitenta anos depois, em 2008, sua neta Chininha assume o mesmo cargo. Outro bom exemplo é o de Roberto Firmino, que assumiu a presidência da escola em 1992; atualmente sua filha Guanaíra Firmino é a diretora responsável pelas alas da Comunidade . Muito se diz sobre as vaidades e egos inflamados presentes no mundo do samba, mas pouco se fala sobre a reverência, respeito e amizade que subsiste e ainda pode ser vista entre os passistas. Não importa se aquele que hoje reverencia, amanhã critica ou até fala mal, isso faz parte da dinâmica da vida, do movimento, da transformação e da mudança de ações e opiniões. No dia da escolha de samba, em outubro do ano passado, o jovem passista Renam Oliveira usou uma camisa com a seguinte frase estampada: “Gargalhada, Romero, Indio e Celso, o meu passo é o teu”. Foi uma comoção geral! Os passistas citados, são grandes nomes na história da Escola, todos ainda em atividade, exceto Gargalhada, falecido em 2003. Jofre Santos, há mais de 30 anos na escola, fotografado por J.M. Arruda durante o ensaio técnico na Sapucaí foi muito elogiado e exaltado nas redes sociais pelo seu valor como um passista veterano e que tão bem representa a Mangueira.A função social do mais velho é guardar e transmitir os saberes, a memória e as tradições, ligando o passado ao presente, garantindo assim o futuro daquela cultura. São fundamentais na formação identitária do grupo. Nos encontros, as histórias narradas - e são muitas histórias! – são formas de transmissão de experiências, que acumuladas, dizem o que é ser passista.
É comum que passistas mais jovens incorporem alguns trejeitos dos mais velhos, criando assim um estilo de samba próprio daquela escola. O “mais velho” nem sempre é tão mais velho assim, pode ser o que possui mais experiência de desfiles, o mais premiado, ou aquele cuja qualidade do samba é inquestionável. Valesca, uma conhecida passista da Portela nos anos 80/90, afastada dos desfiles e das quadras há muitos anos, foi vista ontem no ensaio em Mangueira e recebida com muita festa. Fábio Fuly, considerado um passista “de alta performance” premiado e também veterano, tocou-lhe os pés enquanto sambava na roda, em sinal de respeito e reverência. Um dos gestos mais bonitos que já presenciei numa roda de samba!
O imediatismo, a profissionalização, o gigantismo e a excessiva competitividade podem, em certa medida, provocar um apagamento do legado deixado pelos mais velhos e um esvaziamento afetivo nas relações entre os passistas e sambistas de maneira geral, mas enquanto isso não acontece, ainda podemos celebrar o samba, com muito amor, carinho e amizade, como fizemos ontem, até as 5h da manhã, na quadra da Estação Primeira de Mangueira.
Santos, Juana Elbein dos. Os nagôs e a morte: padê, àsèsè e o culto Éguns na Bahia. Vozes, 1984. Trecho da música “Meninos da Mangueira” de Ataulfo Alves. www.mangueira.com.brquarta-feira, 30 de setembro de 2015
EM ESCOLA DE SAMBA ANTIGUIDADE É POSTO. OU NÃO???
Antiguidade sempre foi posto em escola de samba. O tempo somado à contribuição torna alguns referência histórica na agremiação. O respeito que devotamos às velhas guardas vem daí. O episódio ocorrido com Nilcemar Nogueira no sábado passado na Mangueira (barrada na entrada da quadra pelos seguranças) e por ela mesma divulgado nas redes sociais, foi um incentivo a escrever sobre algumas questões aparentemente não observadas ou desprezadas nos (malditos) testes para passistas.
Testes e provas já são considerados hoje, formas arcaicas e ultrapassadas de avaliação, mas praticamente todas as escolas de samba se valem desse meio para escolher seus passistas. Passistas eram escolhidos durante os ensaios na quadra da escola por um coordenador, que pouca ingerência tinha na parte técnica do passista, ou por diretores da escola. Observava-se samba no pé, simpatia, e freqüência. Essa observação não era feita num dia, muito menos em 2 minutos, mas através de um processo que podia se estender por algumas semanas ou meses.
É possível uma avaliação minimamente justa numa ala tão heterogênea? A dança é uma forma de arte e as avaliações sempre serão eivadas de subjetividade por parte de quem julga (o gosto pessoal de cada um). Há escolas que conseguiram homogeneizar o grupo de passistas retirando, compulsoriamente, todos os adultos, mantendo apenas crianças e adolescentes recém chegados na escola.
Outro aspecto que deve ser levado em conta é o da REPRESENTATIVIDADE. Ultimamente, os olhos se voltaram quase que exclusivamente para a técnica (a forma como cada movimento é realizado) e plasticidade (o que se considera belo, apresentável, em corpo e figurino) esquecendo o que alguns sambistas/passistas representam simbolicamente para a agremiação. Olhávamos para Gargalhada e víamos Mangueira; olhávamos para Vitamina e víamos Salgueiro; olhávamos para Edinho e víamos Beija Flor de Nilópolis!
Sinceramente, não entendo como se pode julgar todo um repertório de representatividades que compõe o ser passista, num teste. Há quem considere uma honraria um passista veterano participar de um teste. Tenho minhas dúvidas. Será que passistas que estão na escola há 10, 20, 30, 40 anos, que quando mais jovens, contribuíram com importantes premiações, como o Estandarte de Ouro, por exemplo, sentem-se “honrados” em serem testados ao lado de passistas que chegaram ontem na escola? É possível desaprender a sambar? O menos experiente julgando o mais experiente? O discípulo julgando o mestre? O poste mijando no cachorro?
Muito bacana a escola permitir a permanência dos passistas veteranos, alguns já idosos na ala, mas para que esse direito se efetive, é necessário oferecer-lhe as condições necessárias (alguns privilégios, sim!) para que ele possa lá estar, encantando as pessoas, pois são reconhecidos, criaram ao longo do tempo, uma identidade na escola; e transmitindo aos mais jovens saberes que vão além da técnica.
No caso das mulheres a situação é ainda mais complicada, pois os figurinos são únicos e pensados para adolescentes, vestindo inadequadamente mulheres mais velhas.
“A regra é pra todos! Não importa quanto tempo vc tem de escola”. Não no samba. Esse pensamento que pretende promover igualdade, na verdade, desconsidera diferenças relevantes entre pessoas que fazem parte de uma cultura que se pauta na ancestralidade e respeito aos mais velhos, por isso reverenciamos mangueirenses como Seu Nelson Sargento, Tia Suluca, Mestre Tantinho; e pela mesma razão devemos prestigiar nossos passistas veteranos.
Grande exemplo nos dá a Velha Guarda da Bateria, quem sabe um caminho para os passistas mais antigos?! Não tenho a resposta para todas as perguntas nem a solução para todos os problemas. Vivemos em tempos de apresentações, figurinos, coreografias, calendários rígidos, tempos de espetáculo. Contudo, acho que o papel que o passista exerce na escola de samba é de suma importância e por isso merece todo respeito e consideração. Respeitem quem pode chegar onde a gente chegou!
Na foto, Indio da Mangueira (Estandarte de Ouro -1984) e Celso (Estandarte de Ouro 1992), no desfile de 2015.
Nilcemar Nogueira é neta de Dona Zica e Cartola, Diretora do Museu do Carnaval e Doutora em Psicologia Social.
domingo, 5 de julho de 2015
SAMBISTA E ACADÊMICA, COM MUITA HONRA!
Transcrevo aqui uma rápida conversa narrada pelo Professor Salo de Carvalho, (Criminologista, Professor da UFRJ, Pesquisador e escritor), entre ele e um senhor desconhecido no Aeroporto.
- Qual a sua profissão?
- Médico.
- O senhor não fica indignado quando opinam sobre medicina sem nenhum conhecimento?
- Sim.
- Qual a sua especialidade?
- Criminologia. Respondo e retomo a minha leitura.
Observo e me chateio com opiniões de pessoas que entendem pouco ou nada do riscado, cujo interesse é litigar em causa própria, interesses classistas. Pra esses, sinceramente, torço sim, pelo tiro no pé! (inclusive literalmente).
Tenho visto também, e com muita tristeza, ataques irônicos a acadêmicos e intelectuais por pessoas que muitas das vezes, quando lhes convêm, estão absolutamente confortáveis neste lugar, com seus discursos desconstrutivistas, corrompendo, maculando e subtraindo bens culturais imateriais daqueles que no fundo, eles odeiam e adorariam ver banidos na face da Terra.
Essas pessoas as quais me refiro aqui, preocupam-se apenas em seus próprios interesses e vão adequando seus discursos de acordo com a conveniência; a mim não enganam.
Antes que venham as acusações espúrias, vou logo avisando que não sou, como muitos pensam, jornalista, socióloga ou antropóloga; sou advogada, atuante, especialista em Direito e Processo Penal, Direito Internacional com ênfase em Direitos Humanos, o que me autoriza a comentar, ao menos timidamente, sobre o assunto.
Ué, mas vc pesquisa sobre escolas de samba??? Sim. Sou SAMBISTA e fui PASSISTA por aproximadamente 10 anos pelas duas escolas de samba mais antigas do Rio de Janeiro (Portela e Mangueira) e com muito esforço e resistência, tento levar o Samba para dentro da Universidade, pq algumas interlocuções ainda não são facilmente vislumbradas; mas cultura e direito não são dissonantes. Aliás, o Direito a Cultura é constitucional (art. 215 da CF).
Há de se ter o mínimo de coerência política: não dá pra fazer a populista no SAMBA e a REACIONÁRIA fora dele.